terça-feira, 6 de março de 2012

A MÍDIA E AS GREVES

DIREITO DE GREVE

Mídia joga sociedade contra o funcionalismo

Por Sylvio Micelli em 28/02/2012 na edição 683

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A recente paralisação de policiais na Bahia reacendeu uma velha discussão sobre o direito de greve no funcionalismo público. O assunto, apesar de constar da Constituição Federal de 1988, ainda não foi regulamentado. O Congresso Nacional parece não querer entrar num tema que, particularmente, não vejo como controverso. Há até um projetoem tramitação no Senado Federal para regular a matéria, mas que só cerceia o direito de greve e é melhor nem comentar. E a mídia, por sua vez, sempre contrária a qualquer manifestação que balance o establishment, coloca a greve como um crime e joga a sociedade contra o funcionalismo.

Esta postura midiática tem dado certo, até porque a sociedade brasileira, exceto em alguns raros momentos, não tem por hábito lutar por aquilo que acredita ser justo. O brasileiro é, por excelência, um acomodado. Gosta de reclamar, chiar, encher o saco, ainda mais em tempos de petição e revoltas online. Tirar as nádegas da cadeira e ir à luta de fato, porém, não é um hábito tupiniquim porque cada um prefere cuidar de sua vidinha. Então, soa estranho para boa parte dessa mesma sociedade, que pessoas saiam às ruas para lutar por aquilo que acreditam. Geralmente, quem faz isso é motivo de piada ou transforma-se num criminoso terrível porque está “atrapalhando” as pessoas na sua rotina diária.

Isso seria diferente na Coreia do Sul, na França, ou até mesmo na Bolívia. Mas estamos no Brasil varonil e segue o jogo.

Mobilização do funcionalismo

Hoje, queiram ou não, a categoria mais mobilizada de trabalhadores é composta por servidores públicos. É muito difícil, diferente do que ocorria ao final dos anos 70, quando trabalhadores da iniciativa privada – especialmente metalúrgicos e bancários – saíam em greve. O capitalismo arrocha cada vez mais os salários e, sob essa mesma ótica do capital rentista, se você não quer trabalhar, há pelo menos cem pessoas em busca da sua vaga para ganhar o mesmo ou até menos do que você ganha. Vejam, por exemplo, o caso dos países asiáticos onde há farta mão-de-obra e o capitalismo entende muito bem de economia. Se há muita oferta de mão-de-obra, podemos pagá-la o mínimo possível porque alguém, ainda que seja por mera subsistência, se sujeitará ao trabalho.

Voltando às greves do funcionalismo deixo claro que os exageros, que eventualmente ocorrem, devem ser combatidos. Isso porém, não desqualifica o conjunto de servidores grevistas e suas justas reivindicações. Tem outra coisa: ocupar a Assembleia Legislativa da Bahia ou qualquer outro prédio público, não é um desrespeito à sociedade. Feita de forma ordeira, a ocupação de um espaço público faz parte do jogo de xadrez que é uma greve.

Nos últimos 15 anos, o funcionalismo público, aqui ou alhures, tem lutado basicamente para repor as perdas inflacionárias e manter os poucos direitos que já lhe foram tirados pela chamada reforma administrativade 1998 e pelas duas reformas previdenciárias de 1998e 2003. Para que o trabalhador da iniciativa privada entenda, lutar por reposição salarial inflacionária equivale a lutar pelo cumprimento do dissídio coletivo e da data-base, comum ao setor privado e sempre cumpridos, mas que no serviço público, muitas vezes, não se cumpre sob as mais estapafúrdias desculpas.

A reposição salarial do funcionalismo, é bom assinalar, está na Constituição Federal, no Artigo 37, inciso X que determina reposição salarial anual para todos na mesma data e sem distinção de índices. Isso raramente é cumprido. E aí resta ir à luta. O que os policiais baianos fizeram foi colocar o governo na parede e denunciaram os baixos salários que os policiais recebem, o que, aliás, não é “prerrogativa” do estado da Bahia.

Hipocrisia da sociedade

Desde o início da greve, os noticiários colocaram os policiais como algozes da sociedade. O site UOL, por exemplo, contava o número de assassinados por falta de segurança nas ruas de hora em hora e colocava, claramente, que tudo aquilo acontecia porque os policiais estavam em greve. Mas não falava que eles exigiam o que lhes era devido. Se há um culpado para as mortes ocorridas na Bahia é o governo do estado e aí pouco importa se é o Jacques Wagner que está no poder ou se fosse qualquer outro. É algo impessoal. Possivelmente esses policiais entraram em greve, como último remédio diante do descaso de diversos governos, incluso o atual. É como uma radio ou quimioterapia para um doente terminal. A última medida, quiçá única.

Os demais veículos, denotando a massificação e hegemonização reinantes colocavam cenas de guerra, pavor e terror para que a sociedade nacional decretasse que aqueles policiais eram, de fato, criminosos. O importante era jorrar sangue. Mas, na verdade, ninguém foi, ou raros se perguntaram, quais os motivos da paralisação.

É comum também lermos e ouvirmos afirmações do tipo: “A greve é ruim porque prejudica a sociedade e deveria prejudicar o governador”. Tem ainda uma “ótima” na mesma linha. “As reivindicações são justas, mas o povo não pode pagar pela inoperância dos governantes”. Tem também o crítico que busca em outro emprego a solução do problema. “Se está ruim, vá fazer outro concurso e melhore seu salário”. As afirmações acima são tolas. E eu pergunto então, qual é o remédio? Que outra alternativa essas pessoas dão, quando alguém tem um direito que não lhe é pago e ela não tem outro recurso a não ser parar tudo?

Estado mínimo

Greve está aí para prejudicar mesmo, infelizmente, sem rodeios nem falsas ilusões. Se a sociedade fosse mais inteligente e lutasse efetivamente pelos seus direitos cobraria dos governantes que solucionassem o problema de imediato, até pelos altos tributos pagos e pela qualidade ruim dos serviços públicos que são prestados. Lembrando sempre que a culpa do serviço ruim não é do servidor. Se as escolas e os postos de saúde estão caindo os pedaços, se falta gente para atender, ou se o processo não anda no Judiciário é porque o Estado não investe o que deveria fazer, porque adota um modelo neoliberal e a política de Estado mínimo.

Para finalizar, li em algum lugar que não me lembro, e para reflexão, reproduzo a seguir: “Num momento de perigo, esquecemos Deus e chamamos a polícia. Passado o perigo, agradecemos a Deus e execramos a polícia...”

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[Sylvio Micelli é jornalista e servidor público]

Fonte: Observatório da Imprensa.

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