quinta-feira, 11 de setembro de 2008

SOBRE A PIRATARIA

SOBRE A PIRATARIA
O fenômeno da pirataria de produtos culturais tomou proporções gigantescas nos últimos tempos. Cd's e dvd's originais, principalmente nos países mais pobres, têm dificuldade de sair das prateleiras assustando as indústrias responsáveis por esses produtos. Nas ruas ninguém pergunta mais se você já comprou o novo cd de fulano mas se você já o "baixou". Até as locadoras de dvd estão sendo vencidas pela pirataria, os lançamentos em cinema são mais facilmente (e com preços mais baixos que a locação) encontrados nos camelôs ambulantes. O fenômeno é universal e a internet foi propulsora dele. A gritaria da indústria contra tal fenômeno aumenta progressivamente, o Estado destrói cd's e dvd's piratas em demonstrações pela TV, mas ao invés de diminuir o fenômeno aumenta e já podemos afirmar que é incontrolável. O que está em jogo é a propriedade intelectual sobre os produtos culturais (música, filme, etc.), quem tem acesso através da pirataria a tais produtos viola o direito de propriedade sobre eles. Os autores (e a indústria) são lesados. O Estado também, pois recebe menos impostos.
Uma velha tese do marxismo explica o fenômeno da pirataria e o conflito derivado dela. O velho Karl Marx já nos dizia que "o desenvolvimento das forças produtivas entra em choque com as relações sociais de produção", ou seja o desenvolvimento tecnológico chega em um determinado momento que começa a entrar em choque com as regras e as formas de organização da economia, incluindo aí as leis que regulamentam sobre o direito de propriedade. O fenômeno da pirataria é isso: a tecnologia criou os programas e as mídias (softwares e hardwares) que permitem a cópia de produtos culturais industrializados provocando a possibilidade de se burlar as leis de propriedade destes produtos.
O desenvolvimento tecnológico tornou a pirataria absolutamente previsível e inevitável, as atuais tentativas feitas pela indústria e pelo Estado de controlá-la estão fadadas ao fracasso desde o início. Os preços dos produtos originais (excessivamente altos) também proporcionam uma maior procura pela pirataria, notadamente entre as classes mais baixas. E todos já sabemos que o atual modelo econômico neoliberal ao concentrar renda aumenta o número de pobres, aumentado assim o público que procura a pirataria.
Mas a discussão sobre a pirataria está no meu entender além deste debate sobre tecnologia e pobreza. Ela remete também a um debate sobre a própria qualidade dos produtos culturais. O que nos dizem os homens da indústria cultural? Que devemos comprar cd's e dvd's originais. De quem? De "Tiririca" e do grupo "Calypso". Além de outros fenômenos efêmeros da indústria da música. Por que as massas devem comprar cd's originais de músicos ou bandas cujo sucesso durará o espaço de poucos meses? Ou poucos anos? Ou poucas semanas? Lembro-me que quando o fenômeno da pirataria apareceu um dos argumentos da indústria era de que os cd's piratas tinham pouca durabilidade (parece ser verdade embora eu conheça notícias de cd's piratas gravados na década de 90 que ainda funcionam), lembro também que quando apareceram cd's piratas nos camelôs não haviam neles discos da Elis Regina, Chico Buarque ou Pink Floyd, nem sequer Beatles. Muito menos Mozart. Em sua grande maioria eram de músicos ou bandas "da moda", ou seja fenômenos musicais efêmeros. A durabilidade física de um cd pirata será de poucos meses? Ótimo, a durabilidade da música contida nele provavelmente será menor ainda. Para quê comprar um cd original de qualquer um desses grupos sertanejos? Daqui a vinte anos o cd continuará (se bem cuidado) em bom estado de uso, mas quem se lembrará de tais grupos daqui a vinte anos? E antes que alguém pense em contra-atacar tal argumento vou apenas lembrar que recentemente celebramos duzentos anos da morte de Mozart, e mesmo depois de todo esse tempo continuamos a ouví-lo. Portanto esqueçam qualquer argumento parecido com "tudo é efêmero".
Efêmero também é o seu aparelho de som. Um dos argumentos contra a pirataria é o de que o cd pirata estragaria os aparelhos de som, mas claro que isso fica por conta da hipocrisia suja da indústria, pois todo mundo já percebeu que tais aparelhos possuem vida útil limitada, eles estragam logo para que você compre outro com ou sem uso de produto pirata. Aliás, faça uma pesquisa e saia perguntando quantas pessoas tiveram seus aparelhos estragados pela pirataria, é como procurar uma agulha em um palheiro.
Para exigir que as massas sejam honestas e só comprem produtos originais a indústria também deveria ser honesta. Como sou fã do Chico Buarque faço questão de ter seus cd's originais. Comprei o cd do disco "Construção" recentemente e, surpreendentemente, nenhuma, absolutamente nenhuma música dele é audível, todas estragadas. Se eu "baixar" o disco pela internet garanto que ele virá com uma qualidade muito superior. O fabuloso disco "Closer" do Joy Division possui uma belíssima capa, branca com uma bela foto no centro. Na versão em cd original que possuo a capa é de um amarelão horrível e a foto absolutamente não visível. E para piorar falta uma música do disco no cd. Recentemente o músico Lobão contestou as gravadoras por elas não numerarem os discos lançados no mercado. Os músicos ficam sem saber quantos cd's realmente venderam e a possibilidade de serem lesados pela indústria é muito grande. Exigir honestidade dos outros é bom desde que se faça a sua parte. Não é o caso da indústria da música.
O que pode ser argumentado contra a pirataria é sobre algo que a indústria do entretenimento nunca o fará. Pirataria não é apreciação de uma obra de arte, é consumismo do que é efêmero. A explosão da pirataria acontece não só no momento em que o desenvolvimento tecnológico torna possível quebrar as regras de propriedade intelectual, mas também em um momento de maior declínio do gosto artístico das massas. A "regressão da audição" que Theodor Adorno denunciava no início dos anos 60 chegou ao seu auge, e tende a piorar. E não só na música, vá a um camelô que vende dvd pirata e tente encontrar Felini, Bergman, Glauber Rocha ou Godard. Com certeza não os encontrará, mas se você estiver procurando o "Rambo 4" seu desejo será satisfeito. Como todos os produtos culturais procurados são efêmeros, não vale a pena para as massas ter os produtos originais. Só procura o produto original ou o bobo útil que engole o discurso da indústria de que é falta de ética comprar produto pirata ou aquele que entende música e filme como obras de arte que estão além de qualquer modismo efêmero. Nem é preciso lembrar que precisa ter muito dinheiro para comprar o produto original.
É claro que mesmo pessoas que não estão presas a modismos efêmeros também fazem uso da pirataria, por um motivo simples: a facilidade. Para quem mora em uma cidade do interior do Brasil (ou de qualquer país) é muito difícil ter acesso a produtos cuja qualidade ultrapassa o momentâneo. Pode-se argumentar que é possível comprar o produto original pela internet, mas claro se você o encontrar e tiver dinheiro suficiente. Para quê demorar vinte anos para comprar o dvd do filme "Zabriskie Point" (Antonioni, 1970) se posso "baixá-lo" agora mesmo?
Você já sabe que existe o desemprego, mas a indústria do entretenimento e a grande mídia só se lembram dele quando é para combater a pirataria, argumentando que os trabalhadores e os artistas perderão seus empregos na indústria se ela falir. Em primeiro lugar entenda que o alto nível de desemprego atual está associado tanto à estratégia neoliberal de quebrar a força dos sindicatos como também ao grande processo de robotização da produção industrial. Não existe pirataria de automóveis, por exemplo, e os trabalhadores da indústria automobilística têm sido despejados no olho da rua aos montes nos últimos anos. Você comprando ou não produtos piratas, os trabalhadores da indústria do entretenimento perderão seus empregos algum dia com a robotização. E os artistas? É da natureza de quem se considera artista fazer arte, ganhando muito ou pouco para isso. Aliá se muitos desses músicos atuais desistirem de fazer música será ótimo para elevar o nível de qualidade artística. E se você estiver em uma praça de qualquer cidade cercado de camelôs que vendem pirataria, pense no que essas pessoas estariam fazendo se não fosse essa atividade. Um camelô a mais é um traficante (ou um assaltante) a menos em sua cidade.
Comprar produto pirata financia o tráfico. Até isso já falaram. Vá até o centro de sua cidade e compre qualquer produto original em qualquer loja. Que garantias você pode ter de que o dono ou o empregado da loja não são consumidores de drogas ilícitas? Comprando produto pirata ou legal você pode, sem querer e sem saber, estar financiando o tráfico. Ao sair do banco e fazer uma compra qualquer o seu dinheiro é posto em circulação e pode, talvez, chegar nas mãos de um traficante.
Não fique com peso na consciência ao comprar produto pirata. As falácias e mentiras da indústria do entretenimento não vão conseguir frear o inevitável: a destruição desta indústria da forma como ela está organizada. A discussão (e o combate) sobre a pirataria nada mais é do que se discutir se essa indústria terá mais ou menos lucros. Em nenhum momento a indústria se propõe a discutir sobre a qualidade dos produtos culturais nem a combater e se recusar a lançar imbecilidades musicais ou visuais. E no final das contas o velho Marx estava certo, o desenvolvimento das forças produtivas entra realmente em choque com as relações sociais de produção (neste caso específico da pirataria, com suas relações jurídicas de propriedade). O surgimento e ascensão da pirataria é só mais uma prova disso.
 Aristóteles lima Santana.
Postado por alma rubra às 08:49 2 comentários
Marcadores: música dvd pirataria

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Novo começo

Este é meu novo blog. Em breve estarei escrevendo nele belas pedradas na vidraça da mediocridade, tentarei jogar fagulhas na pradaria e criar "um, dois, três, muitos vietnãs". Ambicioso? Veremos.