quinta-feira, 23 de maio de 2013

INTERNET E FALSIFICAÇÃO



INTERNET E FALSIFICAÇÃO
Uma curiosa foto circula no facebook, ela mostra John Lennon e Che Guevara juntos tocando violão em um estúdio. Nenhuma biografia de um ou de outro registra tal encontro, o que nos autoriza a afirmar que é uma falsificação. A manipulação de imagens é uma prática antiga, mas a internet e os diversos programas de computador elevaram suas possibilidades. Posso colocar um post no facebook mostrando Lênin com seu celular ou Getúlio Vargas manipulando um I-phone. Este tipo de imagem já existe aos montes nas redes sociais e possui intenções humorísticas obviamente, mas a manipulação de imagens eleva a possibilidade da calúnia, da difamação e pode levar a crimes.
É preciso que se entenda que não vivemos propriamente uma época de expansão do conhecimento mas da informação. O conhecimento acontece quando pegamos as informações e as analisamos de forma crítica e o que menos temos hoje é análise crítica, principalmente nas redes sociais. Com o declínio do hábito da leitura o conhecimento crítico sofre uma decadência que, infelizmente, é mundial. As massas que recebem as informações estão cada vez menos preparadas para processá-las em seus cérebros. É preciso observar também que a quantidade extraordinária destas informações faz com que a seleção que um indivíduo possa fazer delas fique muito difícil. A velocidade com que chegam, a enorme quantidade delas e o declínio do senso crítico são pontos perigosos nesta relação entre o homem e a tecnologia de informação.
A falsificação de imagens vem dos primórdios da fotografia. O famoso Arthur Conan Doyle foi vítima de uma delas em 1917. As garotas que o enganaram usaram um truque simples: desenharam e recortaram figuras representado fadas e as prenderam com grampos nas árvores de uma floresta. Tiraram fotos ao lado das figuras e elas chegaram até o senhor Doyle. O genial criador de Sherlock Holmes acreditou na existência de fadas até o fim da vida. Imaginem o que é possível hoje com o Photoshop.
Desde o início da fotografia que fomos brindados com fotos de fantasmas, discos voadores, duendes, fadas, Et’s, etc. O mundo da falsificação e da lorota ganhou um importante aliado com a máquina fotográfica, sem esquecer da filmadora, claro.
Mas a lorota e o humor brincalhão não são tão perigosos quanto a capacidade de caluniar pessoas, instituições, governos, empresas, etc. As ditaduras totalitárias do século XX abusaram da manipulação da imagem. Ficou famosos o caso do stalinismo. Stálin mandou apagar Leon Trotsky das fotos dos livros de história da antiga URSS e fez o mesmo com outros dirigentes da revolução soviética. Apagar pessoas (os desafetos) da história através da manipulação das fotos virou uma prática comum das ditaduras.
Tudo isso leva o cidadão comum a uma dúvida: o que é real e o que não é? Existem vídeos tentando demonstrar que o onze de setembro de 2001 foi uma farsa e outros que afirmam que a viagem à lua não existiu. Justamente por ter um senso crítico diminuído o cidadão pode ser tentado a considerar que não só algumas informações são falsas mas que todas o são. O que não resolve o problema e talvez o piore.
Este “admirável mundo novo” em que adentramos a partir do surgimento da internet precisa ser acompanhado de um fortalecimento do hábito da leitura. É a única forma de reforçar o senso crítico das massas. A escola deve ter um papel fundamental neste processo. Se isso não acontecer correremos o risco de no futuro vivermos ao lado de pessoas que darão crédito a qualquer imagem e outras que não darão crédito a nenhuma.
Aristóteles Lima Santana, 19/05/2001.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

ENTRE CHÁVEZ E FRANCISCO



ENTRE CHÁVEZ E FRANCISCO
A recente morte do presidente Hugo Chávez, da Venezuela, e a ascenção do novo papa Francisco, de origem argentina, merecem atenção dos latinoamericanos. Francisco é o primeiro papa com origem em nosso continente e foi eleito em um momento de crise na Igreja Católica, da qual a renúncia de Bento XVI é só a ponta do iceberg. Já a morte de Hugo Chávez marca o fim de um dos maiores líderes políticos surgido nas últimas décadas. Uma liderança que não ficou restrita apenas ao seu país de origem, mas que influenciou a política de vários países vizinhos.
Chávez em 1992 tentou um golpe de Estado e fracassou na tentativa. No entanto, chamou para si a atenção do povo venezuelano que já estava cansado das políticas neoliberais. Já em 1989 houve uma grande revolta popular em todo o país contra o governo. Chávez vai aos poucos capitalizar para si o apoio da massa descontente com as privatizações. Sua ascenção à presidência da república pelo voto popular no final dos anos 90 será o primeiro capítulo da ascenção de uma série de líderes de centro-esquerda na América Latina na década seguinte: Lula, no Brasil; os Kirshner, na Argentina; Evo Morales, na Bolívia; Rafael Correia, no Equador; José Mujica, no Uruguai; Fernando Lugo, no Paraguai. Até os sandinistas , com apoio de Chávez, voltaram ao poder, em eleições democráticas, na Nicarágua.
O que acontece a partir de Chávez é uma resposta das massas populares da América Latina às políticas econômicas regressivas do neoliberalismo que foram predominantes em nosso continente nos anos 90: privatizações, abertura aos mercado de forma irresponsável, desemprego em massa e o consequente aumento da miséria e da criminalidade.
Não por acaso Chávez foi chamado de ditador pelos órgãos da imprensa latinoamericana, pois toda essa imprensa sempre esteve comprometida com o projeto de globalização neoliberal. Apostaram, e ainda apostam, no paraiso do “mercado”, sem se importar com suas consequências sociais. Chávez modificou de forma legal a constituição da Venezuela para ter direito à reeleição, mas concorrer e ganhar eleições não é indicativo de ditadura e em um plebiscito popular convocado para mudar a constituição ele foi derrotado e aceitou democraticamente a derrota. Isso não é postura de ditador. Na verdade vale para a elite latinoamericana uma velha senha: “só é regime democrático se meu candidato ganhar a eleição”.
Chávez foi chamado de ditador porque na verdade ele ousou reverter as políticas neoliberais de privatização, porque investiu em educação, porque fez renascer um espírito de orgulho nacional que há muito pensava-se morto, mas principalmente porque ressucitou o discurso da utopia socialista. E este é um pecado mortal para os ricos.
A morte de Chávez não é o fim do chavismo, seus seguidores continuarão sua luta com altos e baixos. Seu nome na Venezuela vai se equiparar ao de Perón na Argentina e a polítca de seu país se dividirá entre os que o odeiam e os que o amam. Nada há de se estranhar nisso, pois é típico daqueles que sabem ousar lutar e ousar vencer.Istivan Meszaros disse certa vez que os revolucionários deveriam agarrar a história pelo pescoço e derrubá-la, podemos afirmar que Chávez teve a ousadia de tentar.
Já o papa Francisco teve sua ascenção devida à decadência moral do reinado de Bento XVI. Com seu autoritarismo conservador, seu dogmatismo agressivo, mas, principalmente, por sua omissão criminosa e irresponsável com os crimes de pedofilia praticados por padres em várias partes do mundo, o papa alemão chamou para si um fosso do qual ele só iria afundar mais e mais. Para muitos católicos Francisco foi eleito justamente para recolocar a Igreja no eixo. Ninguém melhor que um jesuita para fazer isso. Ao menos em alguns aspectos ele difere de Ratzinger: Bento XVI é um dogmático autoritário, Francisco é um diplomata negociador; o papa alemão gostava do luxo e da opulência, Francisco apresenta-se de forma mais humilde. Alguns analistas mais à esquerda acham que Francisco, um argentino que fez oposição à Cristina Kirshner, será uma ponta de lança contra os governos de centro-esquerda em nosso continente. Não é uma análise irreal mas me parece precipitada. Até porque o novo papa tem uma pesada herança maldita de Bento XVI para administrar. Ele herdou os escândalos do IOR (Banco do Vaticano), os escândalos dos casos de pedofilia, as brigas internas dos diversos grupos internos da Igreja, etc. Na América Latina sua preocupação passará certamente pelo crescimento das igrejas evangélicas (sobretudo no Brasil) e em nível mundial sua atenção também passará por um fenômeno novo da modernidade: o crescimento do ateismo militante. É muito abacaxi para um papa só, o tempo mostrará se ele saberá descascá-los.
Aristóteles Lima Santana, 22/04/2013.