terça-feira, 26 de março de 2013

O MONSTRO E A COMISSÃO



O MONSTRO E A COMISSÃO

Uma polêmica tem mobilizado cidadãos e militantes de váriso partidos, gêneros, etnias e orientação sexual nas redes sociais e fora delas: a nomeação do deputado federal Marco Feliciano, do PSC, para a presidência da Comissão de direitos humanos da Câmara Federal. O deputado Feliciano é conhecido já há algum tempo por manifestações públicas de racismo, homofobia e machismo. Sua ideologia está resumida em três posições: negros foram amaldiçoados por deus (em uma determinada ocasião ele chegou a declarar que “nascer negro é azar”), homossexuais são aberrações e mulheres devem se submeter aos homens. Sobre as mulheres ele chegou a declarar que os direitos das mulheres em nossa sociedade estão destruindo a família. Chegou até a afirmar que a mulher independente e que trabalha fora tem tendências ao lesbianismo. Até erros grosseiros do passado ele ressucitou, em uma de suas falas declarou que a AIDS era um “câncer gay”, termo usado no início dos anos 80 do século passado quando pensava-se que apenas homossexuais pegavam a doença. A afirmação do deputado sabe-se há muito tempo é absurda, pois tanto heterossexuais quanto homossexuais podem ser contaminados pelo vírus fatal.
A Comissão de direitos humanos da Câmara é importante porque é através dela que o Congresso fiscaliza a questão dos direitos humanos no Brasil e é a partir dela que novas leis podem ser lançadas ao plenário para se fazer avançar (ou regredir, como quer Feliciano) os direitos humanos no Brasil. Ter um neonazista na presidência de uma comissão destas é o cúmulo do absurdo.
Dentro da polêmica Feliciano tem seus defensores, a maioria são evangélicos conservadores, principalmente da própria igreja do deputado. São pessoas que acham que os ataques à Feliciano são dirigidas à sua religião. Mas ninguém questiona o fato dele ser evangélico, pois no Brasil a constituição garante o direito de livre escolha religiosa. O grande problema é que ele de forma extremamente agressiva ataca negros, mulheres e homossexuais. É bom lembrar que a constituição brasileira declara que o Brasil é um Estado laico, ou seja, em nosso país todos devem ter o livre direito de escolher sua religião, mas doutrina religiosa nenhuma pode gerenciar os negócios do Estado. Também é bom lembrar que no Brasil o racismo é crime, Feliciano já deveria ter tido seu mandato cassado há muito tempo e ido para a cadeia por suas declarações sobre os negros. Aliás, nem todos os evangélicos estão com ele, pois um abaixo-assinado de vários pastores de várias denominações se manifestaram contra a sua permanência na comissão. Dentro da população evangélica também existem negros e mulheres e muitos não gostaram das afirmações do deputado.
A ascenção de Feliciano lembra um caso parecido da história norte-americana, embora em condições diferenciadas. No início dos anos 50 nos EUA um senador chamado Josef MaCcarthy chegou à presidência de uma comissão do senado chamada “Comissão para investigação de atividades anti-americanas”. O dito senador era ultra-conservador, racista, homofóbico e anti-comunista convicto, um Feliciano em versão norte-americana. O problema é que a dita comissão do senado tinha poder de investigação e a partir daí MaCcarthy iniciou um processo de perseguição fascista sem precedentes na história dos EUA a judeus, homossexuais e comunistas. As sessões desta comissão eram humilhações públicas para as pessoas chamadas a depor, com acompanhamento da imprensa, inclusive. Um verdadeiro tribunal inquisitorial que tentava forçar pessoas a entregar nomes de amigos e parentes como “culpados” à dita comissão. Conhecida como “período maccarthista”, foi uma experiência terível que deixou um rastro de traumas e mortes na história norte-americana.
Por sorte a comissão que Feliciano dirige não tem o mesmo poder e nem o mesmo propósito, mas o caso MaCcarthy é um claro aviso de o quanto é perigoso deixar um louco fascista como ele chegar em posições altas de poder.
No momento em que escrevo a oposição a Feliciano cresce a cada dia nas ruas e nas redes sociais. Várias passeatas foram organizadas em capitais do Brasil e no Rio de Janeiro Marcelo Freixo puxou uma frente popular contra Feliciano, com a presença de muitas lideranças populares e artistas. Até a Anistia Internacional pronunciou-se publicamente contra a presença de Feliciano na comissão. Um cerco fecha-se sobre ele, seu partido e sobre a base aliada do governo que facilitou equivocadamente sua chegada na presidência da comissão. Avaliaram de forma absurda que não haveria reação da sociedade. Um erro tático cometido faltando apenas um ano para as eleições presidenciais. Este caso talvez demosntre que vender a própria mãe e os poucos princípios que restam para garantir a governabilidade não parece ser um bom negócio.
Aristóteles Lima Santana, 26/03/2013.

quarta-feira, 13 de março de 2013

ECONOMIA E TENDÊNCIAS






Luiz Gonzaga Belluzzo - Carta Capital
Resolvi juntar algumas linhas que escrevi a respeito dos economistas, suas teorias, convicções e previsões. No estouro da crise financeira, as maledicências sobre economistas, suas teorias, crenças e previsões corriam soltas, à velocidade da peste nos centros financeiros do mundo. Mas, passado o susto, os que fracassaram em suas antecipações já sobem o tom de suas arrogâncias e voltam a trovejar sua cambaleante sabedoria.
A reputação dos economistas e o prestígio de sua arte de antecipar tendências variam na mesma direção dos ciclos do velho, resistente, mas talvez nem tão surpreendente capitalismo. Quando os negócios vão bem, as previsões mais otimistas são ultrapassadas por resultados formidáveis. É a festança dos consultores: o noticiário da mídia não consegue oferecer espaço suficiente para os profetas e oráculos da prosperidade eterna. Na era da informação a coisa é ainda pior: em tempo real, os meios eletrônicos regurgitam uma fauna variada de palpiteiros e adivinhões. Todos ou ao menos a maioria tratam de insuflar a bolha de otimismo.
Quando desabou a tormenta, as certezas dos analistas mais certeiros entraram em colapso. Em pleno estado de oclusão mental diante da derrocada dos preços dos ativos e da violenta contração do crédito, um gênio da finança global proclamava na televisão: “Os investidores são racionais, mas estão em pânico”. Imaginei que antes da emboscada do subprime e de outros créditos alavancados, os investidores racionais estivessem apenas no exercício de sua peculiar racionalidade.
O pânico dos mercados induziu à pane na razão. O ineditismo dos acontecimentos abalroou seus modelos e fez naufragar suas previsões. Desconcertados, os sábios de ontem embarcam em hipóteses exóticas e peregrinas, como as que atribuem responsabilidade aos devedores Ninja (No income, no job, no asset), gente irresponsável que não deveria aceitar os empréstimos gentilmente oferecidos por bancos generosos. Ainda na quarta-feira 13, o republicano da Flórida, Marco Rubio, descarregou a culpa da crise no governo e nos políticos que estimularam os créditos predatórios.
Em sua crueldade, as maledicências maltratam a labuta persistente dos economistas acadêmicos, sempre dedicados à construção de teorias e modelos sofisticados (lembro que sofisticado vem de sophoi, cognato de sofista) que em vez de explicar como funcionam as engrenagens do capitalismo, cuidam zelosamente de falsificar seu modo de funcionamento.
O economista Willem Buiter desancou a revolução novo-clássica das expectativas racionais, associada aos nomes de Robert Lucas e Thomas Sargent, entre outros. A teoria econômica, diz ele, “tornou-se autorreferencial… impulsionada por uma lógica interna e por quebra-cabeças estéticos, em vez de motivada pelo desejo de compreender como a economia funciona… Assim, os economistas profissionais estavam despreparados quando a crise eclodiu”.
Nos idos de 2009 relatei aos leitores de CartaCapital uma proeza de Robert Lucas que  exibe em suas prateleiras acadêmicas o Prêmio Nobel. Em setembro de 2007, Lucas publicou no Wall Street Journal o artigo “Hipotecas e Política Monetária” (“Mortgage and Monetary Policy”). Àquela altura do campeonato, o preço das residências despencava com grande estrondo. Até mesmo os mais fanáticos crentes na  eficiência dos mercados estariam incomodados com o barulho, para não falar da pulga que percorria insistemente a parte posterior de suas respeitáveis orelhas. Suspeito que Lucas tenha baixa sensibilidade nesta região do corpo humano. Mas ele não é apenas um crente, é um sacerdote. 
Escreveu no Journal: “Sou cético a respeito do argumento que sustenta haver risco de contaminação de todo o mercado de hipotecas pelos problemas surgidos na faixa subprime. Tampouco acredito que a construção residencial possa ser paralisada e que a economia vá deslizar para uma recessão. Cada passo nessa cadeia de argumentação é questionável e nada foi quantificado. Se aprendemos alguma coisa da experiência dos últimos 20 anos é que há muita estabilidade embutida na economia real”.
As recomendações e análises dos economistas (inclusive as minhas), mesmo quando prestadas em boa fé, estão eivadas de valorações e pressupostos não revelados, para não falar de ostentações de rigor e cientificidade incompatíveis com a natureza do objeto investigado. Esse incidente, o desacordo entre o método de investigação e a natureza do objeto investigado, é quase sempre ignorado pelos praticantes da Ciência Triste. Isso não lança necessariamente dúvida sobre a honestidade intelectual dos economistas, mas os obriga a explicitar as “visões” (como dizia Schumpeter) que antecedem e fundamentam suas análises. Essas cautelas tornam-se ainda mais imperiosas quando as sabedorias dos interesses subjugam os interesses pelo conhecimento.

FONTE: Luis Nassif Online.