sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

O MEMORIALISMO DE GECILDO QUEIROZ



O MEMORIALISMO DE GECILDO QUEIROZ.
O célebre professor Gecildo Queiroz nos convida em seu segundo livro a conhecer suas lembranças de infância. Com o sugestivo título de “A rua da frente. Memórias de um tempo que nunca morre”, ele faz um verdadeiro passeio por uma Paulo Afonso situada entre o fim dos anos 70 e início dos 80. Em que pese algumas semelhanças, foi uma época muito diferente desta de hoje. Quem, como eu, folhear as páginas prestando atenção às brincadeiras e jogos relatadas no ivro, perceberá profundas diferenças.
É necessário frisar que as memórias de Gecildo pertencem primordialmente a um dos lados de Paulo Afonso. Ele nos fala de uma época em que a cidade ainda era dividida pelo famoso muro da CHESF. E foi no lado de lá que ele passou sua infância. Os antigos muros baixos de pedra e seus arbustos conhecidos como “tapa-muros” remetem a todos os que viveram esta época a vivenciar  uma simbólica volta ao passado. Não poucos se emocionam ao topar com a referência ao famoso “papa-fila”, o célebre ônibus que circulava dentro da CHESF conduzindo trabalhadores e estudantes aos seus destinos.
Mas para quê serve uma volta ao passado? Haverá algum sentido neste saudosismo? Poderá o livro de Gecildo nos despertar para uma reflexão? Para responder a estas questões precisamos compreender uma das grandes maldições da cultura moderna: o “presente eterno”. De forma rápida podemos expicar que “presente eterno” é uma visão mais ou menos difusa de que o passado foi igual ao presente. Tudo o que temos hoje já estava no passado, não houve mudança. Um exemplo disso foi uma conversa simples que tive com um ex-aluno certa vez. Ele me perguntou o porquê dos nazistas não terem perseguido os negros, árabes e turcos da Europa, porquê só os judeus? Expliquei-lhe que os ciganos também foram perseguidos e que não havia negros, árabes ou turcos na Europa em grande número. “Tem sim”, o sujeito respondeu. Sim, mas a imigração em massa destes povos para a Europa começou a partir dos anos 50. O sujeito não sabia. Faça uma pesquisa e você descobrirá que a maior parte da juventude de hoje não consegue imaginar um passado muito diferente do presente em que ela vive. Os livros de História? Não são suficientes, pois sua leitura, quase sempre feita de forma fragmentada, não é mais forte do que a vivência cotidiana da realidade. Uma boa metáfora sobre isso pode ser vista no filme “Matrix”, quando Morpheus vai explicar a Neo como funciona a Matrix e ele fala que os humanos dormem constantemente sonhando que estão vivendo eternamente no fim do século XX. Um presente eterno. É bom lembrar que aqueles que não imaginam um passado diferente também terão dificuldades para imaginar um futuro diferente...
No livro de Gecildo os jovens terão oportunidade de não só conhecer uma outra Paulo Afonso, mas também uma outra infância. Não havia internet ou jogos eletrônicos. Haviam brincadeiras na rua, brinquedos construídos de forma improvisada e acidentes oriundos de deliciosas irresponsabilidades juvenis. Ao nos conduzir a uma volta ao passado, Gecildo demonstra a diferença com o presente e nos desperta a ideia de mudança. Ao mostrar um passado diferente ele quebra a lógica aprisionadora do “presente eterno”. Aqueles que lerem o livro também poderão apreciar a arte de Ênio Mateus, que ilustrou as crônicas com desenhos. Ênio e Gecildo, um mestre pauloafonsino do desenho e outro da literatura, reunidos em um só livro. Não percam tempo, comprem logo e boa leitura.
Aristóteles Lima Santana, 17/12/2012.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

SOBRE O FIM DO MUNDO



O mundo assombrado pelos demônios
Por Ulisses Capozzoli em 11/12/2012 na edição 724
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O temor provocado por um alardeado fim do mundo, no próximo dia 21 de dezembro (solstício de verão no hemisfério sul), talvez seja a evidência mais clara da impotência da ciência em sensibilizar a sociedade humana para um olhar além da miséria filosófica e do sofrimento dispensável. Ao menos para parcelas significativas da população mundial.
Na verdade, não se trata da impotência apenas da ciência, mas também do jornalismo, enquanto possibilidade (de participar) da construção de uma cidadania contemporânea, no sentido da convivência crítica com fatos que vão de navegações que extrapolam o Sistema Solar, passando por paradoxos na mecânica quântica (emaranhamento quântico e relatividade restrita, por exemplo) e conquistas surpreendentes na genética, entre outros campos do conhecimento.
Ao que tudo indica, estamos vivenciando uma experiência de retorno de conteúdos arcaicos, típicos da era pré-científica, quando os demônios tinham o inteiro controle da situação e, de tempos em tempos, castigavam os humanos com relatos e previsões os mais horrendos em que se podia pensar.
Porque isso está ocorrendo agora, mais uma vez, é um fato que procede da complexa dinâmica da máquina do mundo. De imediato, no entanto, pode-se dizer que, até às vésperas da publicação da gravitação universal por Isaac Newton (1686), a igreja católica obtinha ganhos com essa mesma atuação terrorista.
Antes de Newton, com frequência, quando aparecia um cometa no céu, os padres badalavam os sinos de suas paróquias e trombeteavam o “fim do mundo”. Os homens ricos, com a consciência pesada pela maneira como haviam acumulado suas fortunas, corriam então às igrejas e faziam suas doações, como forma de aplacar os pecados e assim livrar-se das chamas eternas que crepitavam no inferno, renovadas pelo ardor da Inquisição. O mundo estava para acabar, mas, ainda assim, as ofertas eram aceitas. Os pobres, como os ricos, também gemiam seus pavores entre os (poucos) dentes, mas, açoitados a cada dia pela miséria, quase mais nada tinham a perder.
Pela altura em que Newton publicou sua gravitação universal, um estilo literário, as “narrativas fantásticas” corriam o mundo. Eram o espelho da mentalidade da época. Nesses registros estava incluído o conceito de um mundo em forma de bacia, de que navegantes mais ousados − aventurando-se no que os portugueses chamaram de “mar-oceano” − podiam cair, precipitando-se no caos e na degeneração.
Nesses relatos era comum a descrição de criaturas com corpos humanos e cabeça de animais, como cães, touros e serpentes. As descrições geográficas das terras que abrigavam esses seres eram as mais exóticas e inconsistentes, mas, ainda assim, tomadas como um contínuo da realidade.
Foram os portugueses os primeiros a refutar esse obscurantismo febril que marcou a longa noite da Idade Média, a partir do século 4, com o apagamento da cultura greco-romana, até um conjunto de datas irregulares espalhadas pelo Ocidente. Pedro Nunes (1502-1578), D. João de Castro (1500?-1548) e Garcia de Orta (1501-1568) foram alguns dos responsáveis por essa glória portuguesa, sem reconhecimento difundido além de Portugal, e praticamente ignorada no Brasil.
Frequência dos cometas
Em relação aos cometas, desde sempre astros de mau agouro, no passado eram mais frequentes no céu. Não por um fenômeno de natureza cosmológica, mas porque as noites ainda não eram ofuscadas pela poluição luminosa, abastecida pela energia elétrica. As populações eram majoritariamente rurais. E o céu era o relógio natural que regulava o ritmo da vida.
Com a publicação da gravitação universal, até recentemente acreditávamos que Isaac Newton − além de explicar a queda da maçã, a órbita da Lua e do sistema Terra-Lua em torno do Sol − também havia dado um chute definitivo no traseiro dos demônios, abrindo o espaço mental humano para a beleza e a ordem da ciência.
Agora, o retorno da ideia do fim do mundo, com suposta base em um antigo calendário maia, recheado por um conjunto de absurdos e despropósitos, sugere que as coisas, lamentavelmente, não ocorreram assim.
Neste momento, relatos procedentes de diversas regiões do mundo mostram temor e medo que não combinam em nada com o pretenso cientificismo do século 21, marcado por um fluxo de informação praticamente em tempo real, e inédito na história da civilização.
Ao longo da Idade Média, para se ter uma ideia da contraposição, mesmo os correios, criados no Egito três mil anos antes, cessaram seu funcionamento e a correspondência foi um luxo restrito às casas reais e ordens religiosas.
Mas talvez sejam exatamente a velocidade e profundidade com que as mudanças ocorreram nesse momento da história as responsáveis pelo retorno de conteúdos arcaicos como o que prega, mais uma vez, o fim do mundo. Um substrato mental mágico, que prescinde da racionalidade e compensa, patológica e desalentadoramente, um mundo em profundo desequilíbrio.
O que era não é mais e o que será ainda não é. Saltamos de uma das margens do abismo em direção a outra e, nessa fração do tempo, temos apenas o grande vazio sob os pés.
Os postulantes do fim do mundo, alimentados pelo caldo de cultura do obscurantismo religioso, que se multiplica como cogumelo, articularam uma lógica pueril para justificar a previsão que fazem. Incluem do buraco negro no centro da galáxia a explosões solares as razões que justificariam o falso desastre que anunciam.
Falsos sinais do fim
O buraco negro do centro da Galáxia, no entanto (a maioria das galáxias deve ter um buraco negro em seu núcleo), segundo trabalhos científicos recentes, pode modular a taxa de nascimento de estrelas na Via Láctea e, assim, ter estabelecido relações ainda não evidentes com a presença da vida na Terra.
Quanto às explosões solares, de fato estamos num pico de intensidade dessas manifestações. Mas elas são absolutamente normais e ocorrem há bilhões de anos, provocadas, possivelmente, pela atuação de linhas magnéticas que atravessam o corpo do Sol e, ao longo de certo tempo, se distendem como molas gigantes, antes de romper e então liberar a energia gerada no coração da estrela.
Pastores, e outros profetas do caos, frequentemente referem-se a explosões solares, tremores de terra e vulcanismo como sinais dos céus de que os homens não se comportam bem e assim provocam a ira das divindades.
Sismos e vulcanismos, no entanto, são evidências de que a Terra está geologicamente viva e por isso mesmo gera um escudo magnético no espaço que a protege do vento solar, partículas atômicas desestruturadas que inundam o Sistema Solar após uma grande explosão.
Não fosse o escudo magnético de um planeta geologicamente vivo, o vento solar teria arrancado a atmosfera da Terra e, em consequência disso, não estaríamos aqui.
O retorno de conteúdos arcaicos relacionados ao propalado fim do mundo certamente não é obra do acaso, mas o desdobramento de obscurantismos que têm se mostrado evidentes num fundamentalismo religioso igualmente atrasado e aprisionador da inteligência e criatividade humanas.
Darwin é um embuste, os animais nasceram prontos, não houve e nem há qualquer evolução. Deus criou o Universo em uma semana e com isso toda a história está contada.
A versão mais recente do obscurantismo religioso veio do Sul escravista dos Estados Unidos, insufladora de conflitos como a sanguinária guerra do Iraque.
Há, até agora, no alardeamento do fim do mundo, a ausência de um cometa, o astro símbolo do terror medieval, para completar o quadro mórbido do convencimento. E isso só não ocorreu por muito pouco.
Foi só em fins de setembro último que uma dupla de astrônomos amadores russos descobriu um cometa rumando para o Sol e que pode vir a ser um dos mais brilhantes de todos os tempos.
O C/2012S1, ou ISON, terá máxima aproximação da Terra em 28 de novembro de 2013 e poderá (cometas são astros imprevisíveis, pelo fato de ainda conhecermos relativamente pouco sobre eles) ser visto a olho nu mesmo durante o dia.
No sábado, 22 de dezembro, como ao longo das infinitas manhãs da Terra, quando mais uma vez o Sol elevar-se como um rubra moeda incandescente no horizonte leste, aqueles que temeram algo tão tolo e imbecil quanto a ideia de um iminente fim do mundo talvez se ruborizem de constrangimento.
Mas em pouco tempo a história cairá no esquecimento, como acontece com praticamente todas as histórias. Mesmo o esquecimento, no entanto, não apagará para homens mais lúcidos do futuro que, um dia, já na segunda década do século 21, boa parte da humanidade temeu pela sobrevivência da Terra por obra de um discutível calendário maia e a esperteza doentia de um grupo de farsantes em escala global.
Ainda que, antes disso, o astrônomo e divulgador da ciência Carl Sagan, na sua obra mais pessimista e que dá título a este artigo, tenha prevenido para essa possibilidade de limitação da ciência.
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[Ulisses Capozzoli é jornalista, editor-chefe Scientific American Brasil]

Fonte: Observatório da Imprensa.