quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

A VOLTA DAS "IDEOLOGIAS"



A VOLTA DAS "IDEOLOGIAS"
Há alguns meses atrás no Estado de São Paulo um grupo de manifestantes invadiu um laboratório químico de uma empresa privada de cosméticos. Cães de uma raça particular eram usados como cobaias por esta empresa e isso causou a reação violenta de um grupo preocupado com os pobres animais. Libertar os cães do cativeiro foi o objetivo da ação violenta do grupo. Os animais em questão são belos e nas redes sociais tornou-se popular uma piada que perguntava  porquê estas pessoas não se lembraram das cobras e ratos usados como cobaias em outras instituições... Mais intrigante ainda é que no Brasil temos centenas de trabalhadores em regime de escravidão em algumas fazendas e fábricas. Até agora não houve nenhum grupo disposto a organizar uma invasão a estes estabelecimentos para libertar estes escravos... No Facebook vários defensores dos “animaizinhos” defenderam que humanos (bandidos, corruptos, etc.) sejam usados como cobaias no lugar deles. Ou seja, defendem Aushwitz e Joseph Mengele, embora o seu nível intelectual simplório não permita perceber o que ou quem estão defendendo...
Este pequeno caso ilustra um fenômeno novo nos dias de hoje: o ressurgimento da ideologia. Quando falamos em ideologia não devemos nos reportar apenas àquelas que possuem expressão política, como fascismo, comunismo, anarquismo, liberalismo, etc., embora estas também entrem no debate em questão. Hoje o vegetarianismo e a defesa dos animais possuem características ideológicas, que são: concepção unitária de mundo, objetivo a ser conquistado, valores e ideias a serem defendidos, uma concepção teórica que orienta uma prática e, consequentemente, uma militância envolvida. Você poderá também ver estas características nos movimentos negro, gay e feminista, verá nas igrejas evangélicas e até em um curioso movimento ateísta que surgiu em nível mundial há alguns anos. As redes sociais são o campo de batalha de todos eles que, inclusive, digladiam-se entre si.
O fenômeno pode estar ligado a dois fatores: o primeiro é a procura por uma motivação não mercadológica da vida. O capitalismo anuncia que a função do indivíduo é produzir e consumir. O ideal neoliberal de homem é esse. Ter um sonho? Só se for o de comprar um carro novo; ter um objetivo na vida? Só se for o de ter um emprego mais rentável para consumir mais; ter um objetivo utópico? Esqueça; querer melhorar o mundo? Isso redundará em perda de tempo. Consuma mais e seja feliz, é o recado do capitalismo. Mas como apenas consumir não satisfaz a ânsia humana pela vida, estas pessoas procuram uma razão para sua existência que pode se manifestar em uma causa a ser defendida. O segundo fator é a crise do socialismo iniciada a partir da queda do leste europeu. Na medida em que o socialismo tem dificuldades para se colocar como alternativa real ao capitalismo restou às pessoas que querem sonhar com um mundo novo a procura por outras alternativas.
A extrema direita, que tem se manifestado nas redes sociais e, contraditoriamente, também faz parte do fenômeno, tem batido em todos estes movimentos. Aliás, um curioso livro chamado “Contra um mundo melhor” escrito por um conservador brasileiro pode ser vista como uma possível resposta a este fenômeno social. O consumismo desenfreado é defendido com unhas e dentes pelo pensamento conservador. E isso em pleno anúncio de uma possível hecatombe ecológica para a humanidade...
A tônica dos debates entre muitos destes grupos é o do sectarismo. Perdura dentro deles o espírito de seita. A negação do outro tem permeado muitos embates nas redes sociais. Ateus versus religiosos, vegetarianos versus quem come carne, extrema direita versus extrema esquerda, flamenguistas versus vascaínos, etc. Não se pode falar que permeia em vários militantes destes grupos a busca pelo conhecimento mais amplo. A função do membro de uma seita (seja ela qual for e qual seja o seu objetivo) é mergulhar ainda mais na doutrina da própria seita e tentar negar a doutrina da seita oposta. Raros são os debates construtivos e enriquecedores entre os vários grupos.
Este talvez seja o resultado lógico de um mundo onde se lê pouco e o desespero existencial faz com que a fuga do “admirável mundo novo” do consumismo se dê a partir de uma causa particular em oposição a outras causas particulares. É bom lembrar que a ideologia (qualquer uma) oferece uma visão que não abarca o todo do conhecimento humano e, inclusive, oculta diversos fatores contrários a seus princípios. Louis Althusser disse certa vez que para que Marx e Engels tivessem feito a crítica à ideologia de sua época foi preciso que se posicionassem “fora da ideologia”, ou seja, tiveram que enxergar o todo da realidade social para compreender o papel da ideologia dentro deste todo. Com o sectarismo e o espírito de seita de muitos grupos por ai, este posicionamento é uma tarefa quase impossível para muitos militantes nos dias de hoje.
Aristóteles Lima Santana, 19/02/2014.