segunda-feira, 15 de julho de 2013

AS MANIFESTAÇÕES E SEUS SIGNIFICADOS



AS MANIFESTAÇÕES E SEUS SIGNIFICADOS
O Brasil foi sacudido nas últimas semanas por passeatas e manifestações gigantescas como há muito não víamos. Assim como há muito tempo não presenciávamos um nível de repressão policial tão brutal. Algumas das cenas lembraram a ditadura militar. A mídia até tentou plantar a informação de que a repressão atingia apenas “vândalos irresponsáveis”. Reportagens e a divulgação de informações nas redes sociais comprovaram que a repressão brutal atingiu não só os supostos “vândalos” mas a todos os participantes, incluindo alguns dos mais pacíficos. É claro que pessoas irresponsáveis realmente se aproveitaram da situação, algumas inclusive para praticar assaltos, mas a repressão não caiu apenas sobre eles e, estranhamente, alguns deles foram deixados livres em suas ações enquanto a PM espancava manifestantes pacíficos. Quem tem idade e boa memória deve se lembrar das mobilizações populares do “Fora Collor”, em 1992, e das “Diretas já”, em 1984, em ambos o nível de mobilização popular (para quem não está informado o “gigante” já acordou várias vezes) foi muito alto e não se viu a repressão brutal que vimos neste episódio.
Qual o significado real destas mobilizações? Seu caráter foi de uma heterogeneidade absoluta. O que vimos foi a explosão de uma série de demandas populares não satisfeitas nem pelo PT e nem pelo PSDB. São dezoito anos de governos destes dois partidos (oito com o PSDB de FHC e dez com Lula e Dilma do PT) e a educação e a saúde públicas continuam com o mesmo déficit de qualidade. O transporte público (que não é público, você paga) piorou o serviço mas continuou a aumentar a tarifa e os sucessivos casos de corrupção divulgados na mídia desgastaram os partidos e políticos em geral. Estas reivindicações (melhorias na saúde e educação públicas, diminuição das tarifas do transporte e combate à corrupção) não autorizam ninguém a classificar o movimento como sendo de “direita”, como muitos petistas sairam divulgando por ai. É claro que grupos minoritários de direita se infiltraram nas manifestações, mas são minorias inexpressivas. Os grupos de extrema direita foram todos (junto com a extrema esquerda)pegos de surpresa com as mobilizações. As pesquisas de opinião feitas recentemente demonstraram queda da popularidade de Dilma, mas o mesmo aconteceu com Alckmim. Os governos do PSDB foram extremamente truculentos com os manifestantes em São Paulo, Minas e Paraná. E os governos estaduais do PT não ficaram atrás, Dilma deve agradecer a vaia que recebeu na abertura da copa das confederações ao seu colega de partido, o governador do DF que, horas antes do público entrar no estádio, mandou a PM agir com brutalidade contra os manifestantes, tendo o público que entraria no estádio como testemunha da repressão...
Mas o pior é que a heterogeneidade do movimento deixou nas redes sociais um rastro de interpretações confusas e que não ajudam a entender o que aconteceu. Houve quem dissesse que o movimento era “manipulado pela Globo”, ou pela mídia em geral e, no entanto, vários símbolos da mídia televisiva foram atacados pelo povo, às vezes de forma violenta. No início a direita saiu dizendo que as passeatas eram “coisa do PT” e, posteriormente, os petistas sairam dizendo que as mesmas manifestações eram um “sinal de golpe da direita”. Funcionou muito mais a paranoia do que a razão para entender o fenômeno.
Também as manifestações não tiveram caráter fascista, como muitos vislumbraram. A reação negativa aos partidos por uma parte das massas se deve muito mais ao desgaste óbvio deles  do que a um desejo de que um ditador venha resolver o problema. Não há nenhum partido fascista de massas organizado no Brasil, só grupelhos inexpressivos. A violência de algumas manifestações se deve a grupos minoritários: infiltrados pela polícia, para abrir espaço para a repressão; anarquistas radicais e, claro, fascistas também. Todos compõem uma minoria em todas as manifestações.
Mas uma característica pode explicar a repressão policial: a crítica que as massas fizeram à organização da Copa do mundo em 2014 e ao derrame de dinheiro para a construção de estádios de futebol. A população desconfia que estas obras são superfaturadas e que existe um montante de corrupção por trás destas construções. Para as massas seria mais útil se o governo investisse mais em saúde e educação públicas. A FIFA contribuiu muito para o mal estar da população com a Copa: exigiu, e conseguiu, um estatuto especial com regras restritivas para a própria população brasileira. A Copa será apenas um bom negócio para as empreiteiras e a FIFA, esta é a visão predominante hoje entre o povo. Mas para a mídia, que cobrirá a Copa, e para o governo, que quer ganhar dividendos políticos e o apoio das empreiteiras para seu tradicional “caixa 2”, a Copa é uma questão de honra. Quem prestou atenção viu que a repressão policial foimais forte nas cidades com estádios e nas imediações deles. Se a FIFA pedir ao governo o Estado de Sítio durante a Copa não duvidem que seu desejo será atendido. A repressão policial que vimos nas últimas semanas foi o “ensaio geral” para esta eventualidade...
A partir de agora não devemos mais subestimar o papel das redes sociais. Foram elas, e não a grande mídia, que mobilizaram a população. Um fenômeno já comum em vários países. A partir de agora os governos, partidos, a mídia, terão que dialogar e, em alguns casos, enfrentar as articulações nas redes sociais. Elas se tornaram o grande agente de mobilização de massas da época presente. Com todos os seus méritos e deméritos não podemos ignorá-las ou subestimá-las, sob o risco de perdermos o bonde da história.
Aristóteles Lima Santana, 14/07/2013.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

INTERNET E FALSIFICAÇÃO



INTERNET E FALSIFICAÇÃO
Uma curiosa foto circula no facebook, ela mostra John Lennon e Che Guevara juntos tocando violão em um estúdio. Nenhuma biografia de um ou de outro registra tal encontro, o que nos autoriza a afirmar que é uma falsificação. A manipulação de imagens é uma prática antiga, mas a internet e os diversos programas de computador elevaram suas possibilidades. Posso colocar um post no facebook mostrando Lênin com seu celular ou Getúlio Vargas manipulando um I-phone. Este tipo de imagem já existe aos montes nas redes sociais e possui intenções humorísticas obviamente, mas a manipulação de imagens eleva a possibilidade da calúnia, da difamação e pode levar a crimes.
É preciso que se entenda que não vivemos propriamente uma época de expansão do conhecimento mas da informação. O conhecimento acontece quando pegamos as informações e as analisamos de forma crítica e o que menos temos hoje é análise crítica, principalmente nas redes sociais. Com o declínio do hábito da leitura o conhecimento crítico sofre uma decadência que, infelizmente, é mundial. As massas que recebem as informações estão cada vez menos preparadas para processá-las em seus cérebros. É preciso observar também que a quantidade extraordinária destas informações faz com que a seleção que um indivíduo possa fazer delas fique muito difícil. A velocidade com que chegam, a enorme quantidade delas e o declínio do senso crítico são pontos perigosos nesta relação entre o homem e a tecnologia de informação.
A falsificação de imagens vem dos primórdios da fotografia. O famoso Arthur Conan Doyle foi vítima de uma delas em 1917. As garotas que o enganaram usaram um truque simples: desenharam e recortaram figuras representado fadas e as prenderam com grampos nas árvores de uma floresta. Tiraram fotos ao lado das figuras e elas chegaram até o senhor Doyle. O genial criador de Sherlock Holmes acreditou na existência de fadas até o fim da vida. Imaginem o que é possível hoje com o Photoshop.
Desde o início da fotografia que fomos brindados com fotos de fantasmas, discos voadores, duendes, fadas, Et’s, etc. O mundo da falsificação e da lorota ganhou um importante aliado com a máquina fotográfica, sem esquecer da filmadora, claro.
Mas a lorota e o humor brincalhão não são tão perigosos quanto a capacidade de caluniar pessoas, instituições, governos, empresas, etc. As ditaduras totalitárias do século XX abusaram da manipulação da imagem. Ficou famosos o caso do stalinismo. Stálin mandou apagar Leon Trotsky das fotos dos livros de história da antiga URSS e fez o mesmo com outros dirigentes da revolução soviética. Apagar pessoas (os desafetos) da história através da manipulação das fotos virou uma prática comum das ditaduras.
Tudo isso leva o cidadão comum a uma dúvida: o que é real e o que não é? Existem vídeos tentando demonstrar que o onze de setembro de 2001 foi uma farsa e outros que afirmam que a viagem à lua não existiu. Justamente por ter um senso crítico diminuído o cidadão pode ser tentado a considerar que não só algumas informações são falsas mas que todas o são. O que não resolve o problema e talvez o piore.
Este “admirável mundo novo” em que adentramos a partir do surgimento da internet precisa ser acompanhado de um fortalecimento do hábito da leitura. É a única forma de reforçar o senso crítico das massas. A escola deve ter um papel fundamental neste processo. Se isso não acontecer correremos o risco de no futuro vivermos ao lado de pessoas que darão crédito a qualquer imagem e outras que não darão crédito a nenhuma.
Aristóteles Lima Santana, 19/05/2001.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

ENTRE CHÁVEZ E FRANCISCO



ENTRE CHÁVEZ E FRANCISCO
A recente morte do presidente Hugo Chávez, da Venezuela, e a ascenção do novo papa Francisco, de origem argentina, merecem atenção dos latinoamericanos. Francisco é o primeiro papa com origem em nosso continente e foi eleito em um momento de crise na Igreja Católica, da qual a renúncia de Bento XVI é só a ponta do iceberg. Já a morte de Hugo Chávez marca o fim de um dos maiores líderes políticos surgido nas últimas décadas. Uma liderança que não ficou restrita apenas ao seu país de origem, mas que influenciou a política de vários países vizinhos.
Chávez em 1992 tentou um golpe de Estado e fracassou na tentativa. No entanto, chamou para si a atenção do povo venezuelano que já estava cansado das políticas neoliberais. Já em 1989 houve uma grande revolta popular em todo o país contra o governo. Chávez vai aos poucos capitalizar para si o apoio da massa descontente com as privatizações. Sua ascenção à presidência da república pelo voto popular no final dos anos 90 será o primeiro capítulo da ascenção de uma série de líderes de centro-esquerda na América Latina na década seguinte: Lula, no Brasil; os Kirshner, na Argentina; Evo Morales, na Bolívia; Rafael Correia, no Equador; José Mujica, no Uruguai; Fernando Lugo, no Paraguai. Até os sandinistas , com apoio de Chávez, voltaram ao poder, em eleições democráticas, na Nicarágua.
O que acontece a partir de Chávez é uma resposta das massas populares da América Latina às políticas econômicas regressivas do neoliberalismo que foram predominantes em nosso continente nos anos 90: privatizações, abertura aos mercado de forma irresponsável, desemprego em massa e o consequente aumento da miséria e da criminalidade.
Não por acaso Chávez foi chamado de ditador pelos órgãos da imprensa latinoamericana, pois toda essa imprensa sempre esteve comprometida com o projeto de globalização neoliberal. Apostaram, e ainda apostam, no paraiso do “mercado”, sem se importar com suas consequências sociais. Chávez modificou de forma legal a constituição da Venezuela para ter direito à reeleição, mas concorrer e ganhar eleições não é indicativo de ditadura e em um plebiscito popular convocado para mudar a constituição ele foi derrotado e aceitou democraticamente a derrota. Isso não é postura de ditador. Na verdade vale para a elite latinoamericana uma velha senha: “só é regime democrático se meu candidato ganhar a eleição”.
Chávez foi chamado de ditador porque na verdade ele ousou reverter as políticas neoliberais de privatização, porque investiu em educação, porque fez renascer um espírito de orgulho nacional que há muito pensava-se morto, mas principalmente porque ressucitou o discurso da utopia socialista. E este é um pecado mortal para os ricos.
A morte de Chávez não é o fim do chavismo, seus seguidores continuarão sua luta com altos e baixos. Seu nome na Venezuela vai se equiparar ao de Perón na Argentina e a polítca de seu país se dividirá entre os que o odeiam e os que o amam. Nada há de se estranhar nisso, pois é típico daqueles que sabem ousar lutar e ousar vencer.Istivan Meszaros disse certa vez que os revolucionários deveriam agarrar a história pelo pescoço e derrubá-la, podemos afirmar que Chávez teve a ousadia de tentar.
Já o papa Francisco teve sua ascenção devida à decadência moral do reinado de Bento XVI. Com seu autoritarismo conservador, seu dogmatismo agressivo, mas, principalmente, por sua omissão criminosa e irresponsável com os crimes de pedofilia praticados por padres em várias partes do mundo, o papa alemão chamou para si um fosso do qual ele só iria afundar mais e mais. Para muitos católicos Francisco foi eleito justamente para recolocar a Igreja no eixo. Ninguém melhor que um jesuita para fazer isso. Ao menos em alguns aspectos ele difere de Ratzinger: Bento XVI é um dogmático autoritário, Francisco é um diplomata negociador; o papa alemão gostava do luxo e da opulência, Francisco apresenta-se de forma mais humilde. Alguns analistas mais à esquerda acham que Francisco, um argentino que fez oposição à Cristina Kirshner, será uma ponta de lança contra os governos de centro-esquerda em nosso continente. Não é uma análise irreal mas me parece precipitada. Até porque o novo papa tem uma pesada herança maldita de Bento XVI para administrar. Ele herdou os escândalos do IOR (Banco do Vaticano), os escândalos dos casos de pedofilia, as brigas internas dos diversos grupos internos da Igreja, etc. Na América Latina sua preocupação passará certamente pelo crescimento das igrejas evangélicas (sobretudo no Brasil) e em nível mundial sua atenção também passará por um fenômeno novo da modernidade: o crescimento do ateismo militante. É muito abacaxi para um papa só, o tempo mostrará se ele saberá descascá-los.
Aristóteles Lima Santana, 22/04/2013.

terça-feira, 26 de março de 2013

O MONSTRO E A COMISSÃO



O MONSTRO E A COMISSÃO

Uma polêmica tem mobilizado cidadãos e militantes de váriso partidos, gêneros, etnias e orientação sexual nas redes sociais e fora delas: a nomeação do deputado federal Marco Feliciano, do PSC, para a presidência da Comissão de direitos humanos da Câmara Federal. O deputado Feliciano é conhecido já há algum tempo por manifestações públicas de racismo, homofobia e machismo. Sua ideologia está resumida em três posições: negros foram amaldiçoados por deus (em uma determinada ocasião ele chegou a declarar que “nascer negro é azar”), homossexuais são aberrações e mulheres devem se submeter aos homens. Sobre as mulheres ele chegou a declarar que os direitos das mulheres em nossa sociedade estão destruindo a família. Chegou até a afirmar que a mulher independente e que trabalha fora tem tendências ao lesbianismo. Até erros grosseiros do passado ele ressucitou, em uma de suas falas declarou que a AIDS era um “câncer gay”, termo usado no início dos anos 80 do século passado quando pensava-se que apenas homossexuais pegavam a doença. A afirmação do deputado sabe-se há muito tempo é absurda, pois tanto heterossexuais quanto homossexuais podem ser contaminados pelo vírus fatal.
A Comissão de direitos humanos da Câmara é importante porque é através dela que o Congresso fiscaliza a questão dos direitos humanos no Brasil e é a partir dela que novas leis podem ser lançadas ao plenário para se fazer avançar (ou regredir, como quer Feliciano) os direitos humanos no Brasil. Ter um neonazista na presidência de uma comissão destas é o cúmulo do absurdo.
Dentro da polêmica Feliciano tem seus defensores, a maioria são evangélicos conservadores, principalmente da própria igreja do deputado. São pessoas que acham que os ataques à Feliciano são dirigidas à sua religião. Mas ninguém questiona o fato dele ser evangélico, pois no Brasil a constituição garante o direito de livre escolha religiosa. O grande problema é que ele de forma extremamente agressiva ataca negros, mulheres e homossexuais. É bom lembrar que a constituição brasileira declara que o Brasil é um Estado laico, ou seja, em nosso país todos devem ter o livre direito de escolher sua religião, mas doutrina religiosa nenhuma pode gerenciar os negócios do Estado. Também é bom lembrar que no Brasil o racismo é crime, Feliciano já deveria ter tido seu mandato cassado há muito tempo e ido para a cadeia por suas declarações sobre os negros. Aliás, nem todos os evangélicos estão com ele, pois um abaixo-assinado de vários pastores de várias denominações se manifestaram contra a sua permanência na comissão. Dentro da população evangélica também existem negros e mulheres e muitos não gostaram das afirmações do deputado.
A ascenção de Feliciano lembra um caso parecido da história norte-americana, embora em condições diferenciadas. No início dos anos 50 nos EUA um senador chamado Josef MaCcarthy chegou à presidência de uma comissão do senado chamada “Comissão para investigação de atividades anti-americanas”. O dito senador era ultra-conservador, racista, homofóbico e anti-comunista convicto, um Feliciano em versão norte-americana. O problema é que a dita comissão do senado tinha poder de investigação e a partir daí MaCcarthy iniciou um processo de perseguição fascista sem precedentes na história dos EUA a judeus, homossexuais e comunistas. As sessões desta comissão eram humilhações públicas para as pessoas chamadas a depor, com acompanhamento da imprensa, inclusive. Um verdadeiro tribunal inquisitorial que tentava forçar pessoas a entregar nomes de amigos e parentes como “culpados” à dita comissão. Conhecida como “período maccarthista”, foi uma experiência terível que deixou um rastro de traumas e mortes na história norte-americana.
Por sorte a comissão que Feliciano dirige não tem o mesmo poder e nem o mesmo propósito, mas o caso MaCcarthy é um claro aviso de o quanto é perigoso deixar um louco fascista como ele chegar em posições altas de poder.
No momento em que escrevo a oposição a Feliciano cresce a cada dia nas ruas e nas redes sociais. Várias passeatas foram organizadas em capitais do Brasil e no Rio de Janeiro Marcelo Freixo puxou uma frente popular contra Feliciano, com a presença de muitas lideranças populares e artistas. Até a Anistia Internacional pronunciou-se publicamente contra a presença de Feliciano na comissão. Um cerco fecha-se sobre ele, seu partido e sobre a base aliada do governo que facilitou equivocadamente sua chegada na presidência da comissão. Avaliaram de forma absurda que não haveria reação da sociedade. Um erro tático cometido faltando apenas um ano para as eleições presidenciais. Este caso talvez demosntre que vender a própria mãe e os poucos princípios que restam para garantir a governabilidade não parece ser um bom negócio.
Aristóteles Lima Santana, 26/03/2013.

quarta-feira, 13 de março de 2013

ECONOMIA E TENDÊNCIAS






Luiz Gonzaga Belluzzo - Carta Capital
Resolvi juntar algumas linhas que escrevi a respeito dos economistas, suas teorias, convicções e previsões. No estouro da crise financeira, as maledicências sobre economistas, suas teorias, crenças e previsões corriam soltas, à velocidade da peste nos centros financeiros do mundo. Mas, passado o susto, os que fracassaram em suas antecipações já sobem o tom de suas arrogâncias e voltam a trovejar sua cambaleante sabedoria.
A reputação dos economistas e o prestígio de sua arte de antecipar tendências variam na mesma direção dos ciclos do velho, resistente, mas talvez nem tão surpreendente capitalismo. Quando os negócios vão bem, as previsões mais otimistas são ultrapassadas por resultados formidáveis. É a festança dos consultores: o noticiário da mídia não consegue oferecer espaço suficiente para os profetas e oráculos da prosperidade eterna. Na era da informação a coisa é ainda pior: em tempo real, os meios eletrônicos regurgitam uma fauna variada de palpiteiros e adivinhões. Todos ou ao menos a maioria tratam de insuflar a bolha de otimismo.
Quando desabou a tormenta, as certezas dos analistas mais certeiros entraram em colapso. Em pleno estado de oclusão mental diante da derrocada dos preços dos ativos e da violenta contração do crédito, um gênio da finança global proclamava na televisão: “Os investidores são racionais, mas estão em pânico”. Imaginei que antes da emboscada do subprime e de outros créditos alavancados, os investidores racionais estivessem apenas no exercício de sua peculiar racionalidade.
O pânico dos mercados induziu à pane na razão. O ineditismo dos acontecimentos abalroou seus modelos e fez naufragar suas previsões. Desconcertados, os sábios de ontem embarcam em hipóteses exóticas e peregrinas, como as que atribuem responsabilidade aos devedores Ninja (No income, no job, no asset), gente irresponsável que não deveria aceitar os empréstimos gentilmente oferecidos por bancos generosos. Ainda na quarta-feira 13, o republicano da Flórida, Marco Rubio, descarregou a culpa da crise no governo e nos políticos que estimularam os créditos predatórios.
Em sua crueldade, as maledicências maltratam a labuta persistente dos economistas acadêmicos, sempre dedicados à construção de teorias e modelos sofisticados (lembro que sofisticado vem de sophoi, cognato de sofista) que em vez de explicar como funcionam as engrenagens do capitalismo, cuidam zelosamente de falsificar seu modo de funcionamento.
O economista Willem Buiter desancou a revolução novo-clássica das expectativas racionais, associada aos nomes de Robert Lucas e Thomas Sargent, entre outros. A teoria econômica, diz ele, “tornou-se autorreferencial… impulsionada por uma lógica interna e por quebra-cabeças estéticos, em vez de motivada pelo desejo de compreender como a economia funciona… Assim, os economistas profissionais estavam despreparados quando a crise eclodiu”.
Nos idos de 2009 relatei aos leitores de CartaCapital uma proeza de Robert Lucas que  exibe em suas prateleiras acadêmicas o Prêmio Nobel. Em setembro de 2007, Lucas publicou no Wall Street Journal o artigo “Hipotecas e Política Monetária” (“Mortgage and Monetary Policy”). Àquela altura do campeonato, o preço das residências despencava com grande estrondo. Até mesmo os mais fanáticos crentes na  eficiência dos mercados estariam incomodados com o barulho, para não falar da pulga que percorria insistemente a parte posterior de suas respeitáveis orelhas. Suspeito que Lucas tenha baixa sensibilidade nesta região do corpo humano. Mas ele não é apenas um crente, é um sacerdote. 
Escreveu no Journal: “Sou cético a respeito do argumento que sustenta haver risco de contaminação de todo o mercado de hipotecas pelos problemas surgidos na faixa subprime. Tampouco acredito que a construção residencial possa ser paralisada e que a economia vá deslizar para uma recessão. Cada passo nessa cadeia de argumentação é questionável e nada foi quantificado. Se aprendemos alguma coisa da experiência dos últimos 20 anos é que há muita estabilidade embutida na economia real”.
As recomendações e análises dos economistas (inclusive as minhas), mesmo quando prestadas em boa fé, estão eivadas de valorações e pressupostos não revelados, para não falar de ostentações de rigor e cientificidade incompatíveis com a natureza do objeto investigado. Esse incidente, o desacordo entre o método de investigação e a natureza do objeto investigado, é quase sempre ignorado pelos praticantes da Ciência Triste. Isso não lança necessariamente dúvida sobre a honestidade intelectual dos economistas, mas os obriga a explicitar as “visões” (como dizia Schumpeter) que antecedem e fundamentam suas análises. Essas cautelas tornam-se ainda mais imperiosas quando as sabedorias dos interesses subjugam os interesses pelo conhecimento.

FONTE: Luis Nassif Online.