O CEMITÉRIO DE PRAGA
“O cemitério de Praga”
é o título do mais recente romance do escritor italiano Umberto Eco. O
personagem principal, Simonini, narra em um diário escrito em poucos dias sua
vida de agente secreto, falsificador de documentos, sabotador de movimentos
revolucionários e antissemita convicto. A história é ambientada no século XIX e
percorre a Itália, França e Alemanha. O tema principal é o delírio das
conspirações imaginárias. Para Simonini judeus, maçons e jesuitas conspiram
para dominar o mundo. Ele não só acredita nestas conspirações como, ao longo de
sua vida como agente secreto de vários governos, forja documentos para
comprová-las. Tudo muito bem pago, claro.
Embora ambientado no
século XIX esta história encontra em nossa época uma atualidade surpreendente.
Em primeiro lugar porque com os recursos tecnológicos que temos ficou muito
mais fácil do que no século de Simonini falsificar documentos ou textos e
apresentá-los como reais. Temos até software para alterar fotos. Mas o pior é
que a crença em conspirações imaginárias ao invés de diminuir tem aumentado. Em
um país como o nosso, em que o povo possui um nível muito baixo de cultura, a
situação beira o ridículo.
No livro de Eco as
lendas tolas sobre o que fazem os maçons em suas reuniões são citadas por
muitos personagens e quem conversar com algumas pessoas nos dias de hoje poderá
escutar várias delas. Um dos pontos centrais do romance é uma suposta origem
para os “Protocolos dos sábios de Sião”, documento forjado pela polícia do Czar
“comprovando” uma suposta conspiração judaica para dominar o mundo.
O mundo das
conspirações imaginárias pertence ao universo das seitas e hoje conhecemos um
processo de expansão delas. Não falo apenas das seitas evangélicas, embora
algumas delas também ajudem no processo de inventar conspirações. Há alguns
meses em Paulo Afonso, minha cidade, fez sucesso nos camelôs que vendem DVD’s
piratas uma série que denuncia uma suposta conspiração de um grupo secreto
chamado “Iluminati”. Quem faz parte deste grupo segundo quem fez o DVD? Bem,
personalidades importantes: presidentes, políticos, empresários, astros da
música pop (Bono Vox e Rihana são citados), além de Scubidoo e Bob Esponja.
Não, você não leu errado, pois segundo o grupo que divulga o DVD nestes
desenhos (e em outros) existiriam mensagens sublimadas para você. Mais patético
é impossível. As montagens com fotos e imagens beiram o ridículo.
De vez em quando um
espertalhão aparece na TV dando entrevista afirmando que o homem não foi à lua
e que as imagens de 1969 são falsificações criadas pela NASA. Ele não explica o
porquê dos soviéticos não terem denunciado isso na época ou como cientistas de
alto calibre tenham concordade em participar de tal “farsa”. Mas ele aparece
sempre com um DVD e um livro para você comprar.
No livro de Eco
aprendemos também que o universo das conspirações é o mundo dos falsificadores
e espertalhões. Todos eles ávidos pelo dinheiro de pessoas ingênuas. Ao
contrário do que se pensa este tipo de falsificador não está muito preocupado
em comprovar o que afirma. Ele cria uma história fantástica, usa para isso o
medo e a ignorância de parte da população e, quando alguém tenta desmascará-lo,
ele o acusa de pertencer à conspiração que ele denunciou. Fácil.
A tendência de algumas
pessoas acreditarem em conspirações imaginárias deriva de sua ignorância. Elas não
compreendem as relações concretas de poder dentro da sociedade, não entendem
sobre hegemonia e relações de força, não compreendem o que é a luta de classes
e como ela se processa, não possuem uma visão ampla sobre as contradições
sociais, econômicas e políticas. Na falta deste conhecimento abre-se espaço
para a imaginação e o delírio. Em nosso país, cujo povo tem uma média de
leitura muito abaixo do mínimo razoável, existe um campo imenso de ignorância
para ser explorado pelo tipo de farsantes e espertalhões denunciados no livro
de Eco.
É preciso que se
esclareça que conspirações realmente existem. Mas elas são reais e concretas,
envolvem agentes que representam interesses e forças políticas e econômicas
reais da sociedade. O golpe militar de 1964 foi fruto de uma conspiração e o
PCB conspirou para tomar o poder em
1935. Mas estas conspirações envolveram agentes reais da luta política e
estavam inseridas na luta de classes em nível nacional e mundial. Todos sabemos
quem foram seus agentes. No primeiro caso os militares direitistas a serviço da
CIA e da elite brasileira e no segundo os comunistas do PCB orientados pelos
soviéticos. Não há “mistérios” fantásticos envolvendo tais eventos e grupos.
Mas o mais grave nessa
história de falsas conspirações é que a ação fanática ou irresponsável de tais
farsantes pode levar a tragédias. O caso mais grave é o dos “Protocolos dos
sábios de Sião”. Documento falso forjado pela polícia da Rússia
pré-revolucionária e que justificou massacres de judeus no fim do século XIX e
início do século XX. Foram usados também pelos nazistas para justificar o
Holocausto durante a segunda guerra mundial. Quando uma farsa encontra uma
conjuntura específica de alcance popular ela pode levar ao delírio fanático e
assassino. O livro de Umberto Eco nos ajuda a refletir sobre como a atitude de
canalhas farsantes como Simonini pode gerar nas massas ignorantes um nível de
excitação assassina. Uma leitura necessária nos dias de hoje.
Aristóteles Lima
Santana, primeiro de maio de 2012.
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