DE BALZAC
A AARON SORKIN
A Imprensa e a ilusão que
não pode ser perdida
Por
Alberto Dines em 17/07/2012 na edição 703
Sempre
amigáveis com as demais artes, a literatura, o teatro e o cinema têm sido
implacáveis quando tratam do jornalismo. Não o consideram da mesma família,
jamais ousariam classificá-lo como a 8ª Arte, filha espúria do casamento com a
História.
A
imprensa começou a ser maltratada a partir do momento em que ganhou escala e
institucionalizou-se. Espécie de vingança contra a sua capacidade de
multiplicar informações e idéias, castigo contra o seu crescente e imbatível
poder. Ilusões Perdidas, que o próprio Honoré de Balzac considerava a
obra capital na sua Comédia Humana, começou a ser publicada em 1836,
poucas décadas depois da incorporação da palavra journalisme aos
principais idiomas europeus e do salto dos quotidiens, diários, para
tiragens massivas. [A palavra teria sido criada nos anos 80 do século XVIII;
Hipólito da Costa, poliglota com veleidades de linguista, chama os jornalistas
de “redatores das folhas públicas”].
É
arrasador o percurso do protagonista Lucien de Rubempré, que deixa a província
honrada para buscar a glória numa Paris viciada. O jornalismo aparece como
destruidor das ilusões. Não há idealismo, não há arte nesta escrita diária.
O
prussiano antissemita Gustav Freytag inventou em 1853 um personagem chamado
Schmok na comedia Die Journalisten; protótipo do joão-ninguém,
rastejante e venal, encontra no jornalismo uma forma de sobreviver. O nome foi
fartamente empregado pelo satirista e crítico de mídia vienense Karl Kraus,
passou para o inglês e nos EUA entrou no jargão jornalístico. Na Inglaterra,
onde a imprensa ganhou a batalha pela liberdade, Anthony Trollope e John Stuart
Mill também deram suas contribuições para a desmoralização do jornalismo.
Pedestal
Na Sétima
Arte – o cinema –, a imprensa encontrou um pedestal para ser glorificada e
satanizada. Foi na telona dos cinemas que o jornalismo apareceu como “a última
profissão romântica” e, em simultâneo, como abrigo dos crápulas. A biografia de
Émile Zola (produzida pela Warner Brothers e dirigida pelo refugiado do nazismo
William Dieterle, em 1937) trata do famoso romancista que tirou o capitão
Alfred Dreyfus do degredo na “Ilha do Diabo”, mas não se detém na manchete mais
impactante e importante da história do jornalismo, “J’Accuse” (Eu acuso),
tirada de uma carta aberta do escritor ao presidente francês.
O
trabalho investigativo dos repórteres Woodward & Bernstein derrubou Richard
Nixon, o presidente da maior superpotência mundial, mas seu feito maior foi
transformar-se em paradigma do jornalismo militante e audaz graças à adaptação
cinematográfica do seu livro Todos os homens do Presidente.
O sueco
Stieg Larsson, autor da trilogia “Millenium”, morreu prematuramente antes de
ver sua obra transformada em best seller mundial e já transformada em
dois filmes. Era jornalista e o jornalismo é o pano de fundo para os seus
intrigantes e irresistíveis relatos. Os imperfeccionistas, de Tom
Rachman, e Exclusiva, de Annalena McAfee, mergulham neste mesmo mundo,
devorados não propriamente pelos profissionais de imprensa ou pelos jovens que
desejam seguir a profissão, mas por uma legião mundial fascinada pela máquina
de celebrar e destruir, entreter e enganar chamada mídia. A recém-lançada série
The Newsroom (Redação), da HBO, com apenas quatro episódios, já é
tópico de debates, interpretações e execrações. Viva elas!
Meta-jornalismo
A
imprensa é uma rede social, orgânica e natural, que antecede a criação formal
das redes sociais. Imperiosamente protagonista, abomina os holofotes que ela
própria acende, prefere apontá-los em outras direções. Isso explica, em parte,
a pauleira a que é submetida desde Balzac a Aaron Sorkin (o autor de Newsroom).
O
jornalismo é inevitavelmente meta-jornalismo, a forma de noticiar passou a ser
notícia. Uma nova pergunta foi adicionada às clássicas questões que organizam o
relato – “que? quem? quando? onde? por que?”. Agora importa saber como o
fato está sendo informado. A salvação da imprensa está na manutenção plena da
sua pulsação crítica, controlar o seu inconformismo é suicidar-se. A grande
virtude do jornalismo está na sua capacidade de ser efêmero e vital, de encarar
os seus vícios e escancarar as infâmias que transmite.
Esta
derradeira ilusão não pode ser perdida.
Fonte:
Observatório da Imprensa.
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