O MEMORIALISMO DE GECILDO QUEIROZ.
O célebre professor Gecildo Queiroz nos convida em seu
segundo livro a conhecer suas lembranças de infância. Com o sugestivo título de
“A rua da frente. Memórias de um tempo que nunca morre”, ele faz um verdadeiro passeio
por uma Paulo Afonso situada entre o fim dos anos 70 e início dos 80. Em que
pese algumas semelhanças, foi uma época muito diferente desta de hoje. Quem,
como eu, folhear as páginas prestando atenção às brincadeiras e jogos relatadas
no ivro, perceberá profundas diferenças.
É necessário frisar que as memórias de Gecildo pertencem
primordialmente a um dos lados de Paulo Afonso. Ele nos fala de uma época em
que a cidade ainda era dividida pelo famoso muro da CHESF. E foi no lado de lá
que ele passou sua infância. Os antigos muros baixos de pedra e seus arbustos
conhecidos como “tapa-muros” remetem a todos os que viveram esta época a
vivenciar uma simbólica volta ao
passado. Não poucos se emocionam ao topar com a referência ao famoso
“papa-fila”, o célebre ônibus que circulava dentro da CHESF conduzindo
trabalhadores e estudantes aos seus destinos.
Mas para quê serve uma volta ao passado? Haverá algum
sentido neste saudosismo? Poderá o livro de Gecildo nos despertar para uma
reflexão? Para responder a estas questões precisamos compreender uma das
grandes maldições da cultura moderna: o “presente eterno”. De forma rápida
podemos expicar que “presente eterno” é uma visão mais ou menos difusa de que o
passado foi igual ao presente. Tudo o que temos hoje já estava no passado, não
houve mudança. Um exemplo disso foi uma conversa simples que tive com um
ex-aluno certa vez. Ele me perguntou o porquê dos nazistas não terem perseguido
os negros, árabes e turcos da Europa, porquê só os judeus? Expliquei-lhe que os
ciganos também foram perseguidos e que não havia negros, árabes ou turcos na
Europa em grande número. “Tem sim”, o sujeito respondeu. Sim, mas a imigração
em massa destes povos para a Europa começou a partir dos anos 50. O sujeito não
sabia. Faça uma pesquisa e você descobrirá que a maior parte da juventude de
hoje não consegue imaginar um passado muito diferente do presente em que ela
vive. Os livros de História? Não são suficientes, pois sua leitura, quase
sempre feita de forma fragmentada, não é mais forte do que a vivência cotidiana
da realidade. Uma boa metáfora sobre isso pode ser vista no filme “Matrix”,
quando Morpheus vai explicar a Neo como funciona a Matrix e ele fala que os
humanos dormem constantemente sonhando que estão vivendo eternamente no fim do
século XX. Um presente eterno. É bom lembrar que aqueles que não imaginam um
passado diferente também terão dificuldades para imaginar um futuro
diferente...
No livro de Gecildo os jovens terão oportunidade de não só
conhecer uma outra Paulo Afonso, mas também uma outra infância. Não havia
internet ou jogos eletrônicos. Haviam brincadeiras na rua, brinquedos
construídos de forma improvisada e acidentes oriundos de deliciosas
irresponsabilidades juvenis. Ao nos conduzir a uma volta ao passado, Gecildo
demonstra a diferença com o presente e nos desperta a ideia de mudança. Ao
mostrar um passado diferente ele quebra a lógica aprisionadora do “presente
eterno”. Aqueles que lerem o livro também poderão apreciar a arte de Ênio
Mateus, que ilustrou as crônicas com desenhos. Ênio e Gecildo, um mestre pauloafonsino
do desenho e outro da literatura, reunidos em um só livro. Não percam tempo,
comprem logo e boa leitura.
Aristóteles Lima Santana, 17/12/2012.
2 comentários:
logo que retornar a p.a não vou quer esse como o primeiro prof. gesildo e foda parabéns por mais um trabalho
Parafraseando o texto recitado pelo jornalista Pedro Bial, gostaria de dizer que memórias é um jeito de pescar o passado do lixo, esfregá-lo, pintar as artes feias e reciclar tudo por mais do que vale.
Se voltamos ao passado, vendo-o mais brilhante do que esse presente cinza, o fazemos por auto-defesa, não há como retirar lições que não as mais extremamente fluidas e fugidias, ou seja, qualquer coisa cola. Gosto do meu passado, gosto do que vi e vivi, mas não me iludo: ele já passou!
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