Enviado
por luisnassif, ter, 07/08/2012 - 09:30
Do Valor
Antonio
Delfim Netto
Na
preparação e na expansão dos fatos que levaram à crise que estamos vivendo
não existem inocentes: os governos falharam miseravelmente, o setor
financeiro sem regulação - como o velho escorpião da fábula - cumpriu o seu
objetivo matando o setor real da economia e alguns economistas,
gloriosamente, "teorizaram matematicamente" a alta qualidade dos
malfeitos...
Seria
ridículo e pretensioso dizer que os economistas foram causa eficiente da
crise. Eles foram apenas coadjuvantes (e algumas vezes beneficiários) do
processo. Ajudaram a criar uma "ideologia" que pretendia dar base
"científica" ao papel do mercado financeiro desregulado na
aceleração do desenvolvimento econômico e do bem-estar do mundo. A mensagem
construída a partir da fantástica hipótese dos "mercados perfeitos"
tinha com consequência subliminar a ideia do velho presidente Reagan:
"Os governos não são a solução, são o problema!" Mas é ridículo,
também, isentá-los de qualquer responsabilidade. Produziriam trabalhos
científicos na Academia, onde se faria "ciência pela ciência", na
qual não é proibido inventar universos que não existem, como uma sociedade
com um único produto, com uma função agregada de produção domesticada, com um
agente representativo que incorpora todos os consumidores e os produtores,
mas onde não há nem o crédito, nem as bolsas de valores. Agora esforçam-se em
incorporá-los no famoso modelo designado de DSGE (Dynamic Stochastic General
Equilibrium, Equilíbrio Geral Dinâmico Estocástico). Não teriam, entretanto,
responsabilidade pelo mau uso dos seus modelos, mesmo porque esses não se
referem, necessariamente, a este mundo...
Paradoxalmente,
nesse processo no qual parece não haver ator que tenha sido sua causa
eficiente, há quem esteja recebendo a conta do malfeito. São os mais de 30
milhões de desempregados que estão nas ruas recusando-se a pagar as
"falhas" dos governos - que provavelmente corrigirão nas urnas - e
as "falhas" do mercado financeiro, cujos responsáveis esperam ver
julgados e condenados pela Justiça. Acreditaram que os governos e os mercados
sabiam o que faziam. Continuam sendo ignorados pelos estudos mais recentes de
economistas ainda presos ao paradigma que a crise destruiu.
Economistas
foram coadjuvantes no processo da crise
Não se
estuda o verdadeiro "custo social do imenso desemprego". Insiste-se
em continuar a estimar os efeitos sobre o bem-estar (o consumo) produzidos
pelas flutuações do PIB, na velha e abusada tradição de Robert Lucas (o
brilhante Prêmio Nobel de 1995) para quem as flutuações do emprego são pouco
mais do que ataques de vagabundagem que, ciclicamente, atingem a mão de obra.
Chega-se à conclusão que sobre esse ser inefável e metafísico - o consumidor
representativo - ele é pequeno. Aliás, as estimativas variam fortemente
porque todos conhecem - mas ninguém leva a sério - a afirmação do economista
C. Otrok ("On measuring the welfare cost of business cycles",
"Journal of Monetary Economics", 47, 2001, 61:92) que é
"trivial fazer o custo do bem-estar produzido pela variação do PIB do
tamanho que cada um quiser, simplesmente escolhendo uma forma conveniente da
preferência" [do consumidor]. Repete apenas o grande Vilfredo Pareto,
que já no século XIX afirmou: "Me deem as hipóteses adequadas e provarei
qualquer coisa"...
A
demonstração mais evidente dessa "disfunção teórica" é um recente
trabalho de E. B. Yehoue também inspirado em Robert Lucas ("On Price
Stability and Welfare", IMF Working Paper 12/189, julho de 2012). Suas
conclusões são interessantes: "Usando um agente-representativo
conservador num modelo de equilíbrio geral e baseado em parâmetros
consistentes com os dados dos EUA, estimamos o custo social associado com diferentes
níveis de metas inflacionárias, em particular 2%, 4% e 10%. O trabalho sugere
que o custo social adicional de elevar a meta de inflação de 2% para 4% é
igual a 0,3% do PIB real. Se a elevação for de 2% para 10%, esse custo se
eleva a 1%. Com outros valores para os parâmetros na curva de demanda de
moeda chega-se a 7% quando se eleva a inflação de 2% para 4%, e a 30% quando
se passa de 2% para 10%" (página 4).
Em
poucas palavras, vale "a fortiori", o que disse - repetindo Pareto
- o economista C. Otrok citado acima. Quando as hipóteses são arbitrárias,
"Deus está morto e tudo é permitido!"
Mas o
ponto realmente importante no trabalho de Yehoue é que, salvo algum engano,
ele menciona uma única vez nas 35 páginas do artigo, a palavra
"desemprego" (página 21) referindo-se ao economista prático Arthur
M. Okun (1928-80), que mostrou uma regularidade entre a taxa de crescimento
do PIB e a taxa de crescimento do desemprego agora conhecida como "Lei
de Okun". Obviamente, Yehoue não a utilizou porque ela introduziria
ainda mais "ruído" nas suas conclusões. Aliás, uma coisa me
intriga: seria o "custo social" produzido por um eventual aumento
da meta de inflação de 2% para 4% nos EUA menor do que o custo do desemprego
causado pela sua persistência ao longo dos últimos cinco anos de pelo menos
3% (dos 8% atuais para os 5% "normais")? É sugestivo que nas 58
referências do artigo, nenhuma tenha no título a palavra
"desemprego"!
Antonio
Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda,
Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras
Fonte:
Blog do Nassif.
|
sexta-feira, 10 de agosto de 2012
DELFIM NETO AVALIA O PAPEL DOS ECONOMISTAS NA CRISE
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário