A VOLTA DAS "IDEOLOGIAS"
Há alguns meses atrás no Estado de São Paulo um grupo de
manifestantes invadiu um laboratório químico de uma empresa privada de
cosméticos. Cães de uma raça particular eram usados como cobaias por esta
empresa e isso causou a reação violenta de um grupo preocupado com os pobres
animais. Libertar os cães do cativeiro foi o objetivo da ação violenta do grupo.
Os animais em questão são belos e nas redes sociais tornou-se popular uma piada
que perguntava porquê estas pessoas não
se lembraram das cobras e ratos usados como cobaias em outras instituições...
Mais intrigante ainda é que no Brasil temos centenas de trabalhadores em regime
de escravidão em algumas fazendas e fábricas. Até agora não houve nenhum grupo
disposto a organizar uma invasão a estes estabelecimentos para libertar estes
escravos... No Facebook vários defensores dos “animaizinhos” defenderam que
humanos (bandidos, corruptos, etc.) sejam usados como cobaias no lugar deles.
Ou seja, defendem Aushwitz e Joseph Mengele, embora o seu nível intelectual
simplório não permita perceber o que ou quem estão defendendo...
Este pequeno caso ilustra um fenômeno novo nos dias de hoje:
o ressurgimento da ideologia. Quando falamos em ideologia não devemos nos
reportar apenas àquelas que possuem expressão política, como fascismo,
comunismo, anarquismo, liberalismo, etc., embora estas também entrem no debate
em questão. Hoje o vegetarianismo e a defesa dos animais possuem
características ideológicas, que são: concepção unitária de mundo, objetivo a
ser conquistado, valores e ideias a serem defendidos, uma concepção teórica que
orienta uma prática e, consequentemente, uma militância envolvida. Você poderá
também ver estas características nos movimentos negro, gay e feminista, verá
nas igrejas evangélicas e até em um curioso movimento ateísta que surgiu em
nível mundial há alguns anos. As redes sociais são o campo de batalha de todos
eles que, inclusive, digladiam-se entre si.
O fenômeno pode estar ligado a dois fatores: o primeiro é a
procura por uma motivação não mercadológica da vida. O capitalismo anuncia que
a função do indivíduo é produzir e consumir. O ideal neoliberal de homem é
esse. Ter um sonho? Só se for o de comprar um carro novo; ter um objetivo na
vida? Só se for o de ter um emprego mais rentável para consumir mais; ter um
objetivo utópico? Esqueça; querer melhorar o mundo? Isso redundará em perda de
tempo. Consuma mais e seja feliz, é o recado do capitalismo. Mas como apenas
consumir não satisfaz a ânsia humana pela vida, estas pessoas procuram uma
razão para sua existência que pode se manifestar em uma causa a ser defendida.
O segundo fator é a crise do socialismo iniciada a partir da queda do leste
europeu. Na medida em que o socialismo tem dificuldades para se colocar como
alternativa real ao capitalismo restou às pessoas que querem sonhar com um
mundo novo a procura por outras alternativas.
A extrema direita, que tem se manifestado nas redes sociais
e, contraditoriamente, também faz parte do fenômeno, tem batido em todos estes
movimentos. Aliás, um curioso livro chamado “Contra um mundo melhor” escrito
por um conservador brasileiro pode ser vista como uma possível resposta a este
fenômeno social. O consumismo desenfreado é defendido com unhas e dentes pelo
pensamento conservador. E isso em pleno anúncio de uma possível hecatombe
ecológica para a humanidade...
A tônica dos debates entre muitos destes grupos é o do
sectarismo. Perdura dentro deles o espírito de seita. A negação do outro tem
permeado muitos embates nas redes sociais. Ateus versus religiosos,
vegetarianos versus quem come carne, extrema direita versus extrema esquerda,
flamenguistas versus vascaínos, etc. Não se pode falar que permeia em vários
militantes destes grupos a busca pelo conhecimento mais amplo. A função do
membro de uma seita (seja ela qual for e qual seja o seu objetivo) é mergulhar
ainda mais na doutrina da própria seita e tentar negar a doutrina da seita
oposta. Raros são os debates construtivos e enriquecedores entre os vários
grupos.
Este talvez seja o resultado lógico de um mundo onde se lê
pouco e o desespero existencial faz com que a fuga do “admirável mundo novo” do
consumismo se dê a partir de uma causa particular em oposição a outras causas
particulares. É bom lembrar que a ideologia (qualquer uma) oferece uma visão
que não abarca o todo do conhecimento humano e, inclusive, oculta diversos
fatores contrários a seus princípios. Louis Althusser disse certa vez que para
que Marx e Engels tivessem feito a crítica à ideologia de sua época foi preciso
que se posicionassem “fora da ideologia”, ou seja, tiveram que enxergar o todo
da realidade social para compreender o papel da ideologia dentro deste todo.
Com o sectarismo e o espírito de seita de muitos grupos por ai, este
posicionamento é uma tarefa quase impossível para muitos militantes nos dias de
hoje.
Aristóteles Lima Santana, 19/02/2014.
4 comentários:
Excelente reflexão! Muito apropriada para a conjuntura atual.
Obriga por me incluir neste processo de rico aprendizagem. Inteligente reflexão. Provocante em todos os bons sentidos. A ideologia que imagino ter (pois hoje tenho poucas certezas) nunca foi embora e parece que ta decidida a fica!!! Mesmo que em troncos e barrancos, ela é teimosa, tanto quanto a esperança! Luz e inspiração sempre!
Ideologias... alguém quer uma para viver ?
Ideologias ... alguém quer uma para viver ?
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