AS MANIFESTAÇÕES E SEUS SIGNIFICADOS
O Brasil foi sacudido nas últimas semanas por passeatas e
manifestações gigantescas como há muito não víamos. Assim como há muito tempo
não presenciávamos um nível de repressão policial tão brutal. Algumas das cenas
lembraram a ditadura militar. A mídia até tentou plantar a informação de que a
repressão atingia apenas “vândalos irresponsáveis”. Reportagens e a divulgação
de informações nas redes sociais comprovaram que a repressão brutal atingiu não
só os supostos “vândalos” mas a todos os participantes, incluindo alguns dos
mais pacíficos. É claro que pessoas irresponsáveis realmente se aproveitaram da
situação, algumas inclusive para praticar assaltos, mas a repressão não caiu
apenas sobre eles e, estranhamente, alguns deles foram deixados livres em suas
ações enquanto a PM espancava manifestantes pacíficos. Quem tem idade e boa
memória deve se lembrar das mobilizações populares do “Fora Collor”, em 1992, e
das “Diretas já”, em 1984, em ambos o nível de mobilização popular (para quem
não está informado o “gigante” já acordou várias vezes) foi muito alto e não se
viu a repressão brutal que vimos neste episódio.
Qual o significado real destas mobilizações? Seu caráter foi
de uma heterogeneidade absoluta. O que vimos foi a explosão de uma série de
demandas populares não satisfeitas nem pelo PT e nem pelo PSDB. São dezoito
anos de governos destes dois partidos (oito com o PSDB de FHC e dez com Lula e
Dilma do PT) e a educação e a saúde públicas continuam com o mesmo déficit de
qualidade. O transporte público (que não é público, você paga) piorou o serviço
mas continuou a aumentar a tarifa e os sucessivos casos de corrupção divulgados
na mídia desgastaram os partidos e políticos em geral. Estas reivindicações
(melhorias na saúde e educação públicas, diminuição das tarifas do transporte e
combate à corrupção) não autorizam ninguém a classificar o movimento como sendo
de “direita”, como muitos petistas sairam divulgando por ai. É claro que grupos
minoritários de direita se infiltraram nas manifestações, mas são minorias
inexpressivas. Os grupos de extrema direita foram todos (junto com a extrema
esquerda)pegos de surpresa com as mobilizações. As pesquisas de opinião feitas
recentemente demonstraram queda da popularidade de Dilma, mas o mesmo aconteceu
com Alckmim. Os governos do PSDB foram extremamente truculentos com os
manifestantes em São Paulo, Minas e Paraná. E os governos estaduais do PT não
ficaram atrás, Dilma deve agradecer a vaia que recebeu na abertura da copa das
confederações ao seu colega de partido, o governador do DF que, horas antes do
público entrar no estádio, mandou a PM agir com brutalidade contra os
manifestantes, tendo o público que entraria no estádio como testemunha da
repressão...
Mas o pior é que a heterogeneidade do movimento deixou nas
redes sociais um rastro de interpretações confusas e que não ajudam a entender
o que aconteceu. Houve quem dissesse que o movimento era “manipulado pela
Globo”, ou pela mídia em geral e, no entanto, vários símbolos da mídia
televisiva foram atacados pelo povo, às vezes de forma violenta. No início a
direita saiu dizendo que as passeatas eram “coisa do PT” e, posteriormente, os
petistas sairam dizendo que as mesmas manifestações eram um “sinal de golpe da
direita”. Funcionou muito mais a paranoia do que a razão para entender o
fenômeno.
Também as manifestações não tiveram caráter fascista, como
muitos vislumbraram. A reação negativa aos partidos por uma parte das massas se
deve muito mais ao desgaste óbvio deles
do que a um desejo de que um ditador venha resolver o problema. Não há
nenhum partido fascista de massas organizado no Brasil, só grupelhos
inexpressivos. A violência de algumas manifestações se deve a grupos
minoritários: infiltrados pela polícia, para abrir espaço para a repressão;
anarquistas radicais e, claro, fascistas também. Todos compõem uma minoria em
todas as manifestações.
Mas uma característica pode explicar a repressão policial: a
crítica que as massas fizeram à organização da Copa do mundo em 2014 e ao derrame
de dinheiro para a construção de estádios de futebol. A população desconfia que
estas obras são superfaturadas e que existe um montante de corrupção por trás
destas construções. Para as massas seria mais útil se o governo investisse mais
em saúde e educação públicas. A FIFA contribuiu muito para o mal estar da
população com a Copa: exigiu, e conseguiu, um estatuto especial com regras
restritivas para a própria população brasileira. A Copa será apenas um bom
negócio para as empreiteiras e a FIFA, esta é a visão predominante hoje entre o
povo. Mas para a mídia, que cobrirá a Copa, e para o governo, que quer ganhar
dividendos políticos e o apoio das empreiteiras para seu tradicional “caixa 2”,
a Copa é uma questão de honra. Quem prestou atenção viu que a repressão
policial foimais forte nas cidades com estádios e nas imediações deles. Se a
FIFA pedir ao governo o Estado de Sítio durante a Copa não duvidem que seu
desejo será atendido. A repressão policial que vimos nas últimas semanas foi o
“ensaio geral” para esta eventualidade...
A partir de agora não devemos mais subestimar o papel das
redes sociais. Foram elas, e não a grande mídia, que mobilizaram a população.
Um fenômeno já comum em vários países. A partir de agora os governos, partidos,
a mídia, terão que dialogar e, em alguns casos, enfrentar as articulações nas
redes sociais. Elas se tornaram o grande agente de mobilização de massas da
época presente. Com todos os seus méritos e deméritos não podemos ignorá-las ou
subestimá-las, sob o risco de perdermos o bonde da história.
Aristóteles Lima Santana, 14/07/2013.
Um comentário:
Bastante lúcida a análise. Eu só acrescentaria que a população deve estar atenta a quaisquer tentativas de manipulação e limitação da Internet. A rede se tornou nossa maior arma e, portanto, está na mira dos poderes de direita e de esquerda. Há, por exemplo, projeto de uma deputada (acho que do PR) para criminalizar perfis fakes, sob argumentação de que a Constituição já garante a livre expressão (logo, fakes seriam desnecessários). Isso parece inofensivo, mas na prática significa poder vigiar qualquer perfil da Internet, pois não há como saber a priori se algum perfil é fake ou não. A Internet deve ser livre, apesar dos perigos.
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