Luiz Gonzaga Belluzzo - Carta Capital
Resolvi
juntar algumas linhas que escrevi a respeito dos economistas, suas teorias,
convicções e previsões. No estouro da crise financeira, as maledicências
sobre economistas, suas teorias, crenças e previsões corriam soltas, à
velocidade da peste nos centros financeiros do mundo. Mas, passado o susto,
os que fracassaram em suas antecipações já sobem o tom de suas arrogâncias e
voltam a trovejar sua cambaleante sabedoria.
A
reputação dos economistas e o prestígio de sua arte de antecipar tendências
variam na mesma direção dos ciclos do velho, resistente, mas talvez nem tão
surpreendente capitalismo. Quando os negócios vão bem, as previsões mais
otimistas são ultrapassadas por resultados formidáveis. É a festança dos
consultores: o noticiário da mídia não consegue oferecer espaço suficiente
para os profetas e oráculos da prosperidade eterna. Na era da informação a
coisa é ainda pior: em tempo real, os meios eletrônicos regurgitam uma fauna
variada de palpiteiros e adivinhões. Todos ou ao menos a maioria tratam de
insuflar a bolha de otimismo.
Quando
desabou a tormenta, as certezas dos analistas mais certeiros entraram em
colapso. Em pleno estado de oclusão mental diante da derrocada dos preços dos
ativos e da violenta contração do crédito, um gênio da finança global
proclamava na televisão: “Os investidores são racionais, mas estão em
pânico”. Imaginei que antes da emboscada do subprime e de outros créditos
alavancados, os investidores racionais estivessem apenas no exercício de sua
peculiar racionalidade.
O
pânico dos mercados induziu
à pane na razão. O ineditismo dos acontecimentos abalroou seus modelos e fez
naufragar suas previsões. Desconcertados, os sábios de ontem embarcam em
hipóteses exóticas e peregrinas, como as que atribuem responsabilidade aos
devedores Ninja (No income, no job, no asset), gente irresponsável que
não deveria aceitar os empréstimos gentilmente oferecidos por bancos
generosos. Ainda na quarta-feira 13, o republicano da Flórida, Marco Rubio,
descarregou a culpa da crise no governo e nos políticos que estimularam os
créditos predatórios.
Em sua
crueldade, as maledicências maltratam a labuta persistente dos economistas
acadêmicos, sempre dedicados à construção de teorias e modelos sofisticados
(lembro que sofisticado vem de sophoi, cognato de sofista) que em
vez de explicar como funcionam as engrenagens do capitalismo, cuidam
zelosamente de falsificar seu modo de funcionamento.
O
economista Willem Buiter desancou a revolução novo-clássica das expectativas
racionais, associada aos nomes de Robert Lucas e Thomas Sargent, entre
outros. A teoria econômica, diz ele, “tornou-se autorreferencial…
impulsionada por uma lógica interna e por quebra-cabeças estéticos, em vez de
motivada pelo desejo de compreender como a economia funciona… Assim, os
economistas profissionais estavam despreparados quando a crise eclodiu”.
Nos
idos de 2009 relatei
aos leitores de CartaCapital uma proeza de Robert Lucas
que exibe em suas prateleiras acadêmicas o Prêmio Nobel. Em setembro de
2007, Lucas publicou no Wall Street Journal o artigo
“Hipotecas e Política Monetária” (“Mortgage and Monetary Policy”). Àquela
altura do campeonato, o preço das residências despencava com grande estrondo.
Até mesmo os mais fanáticos crentes na eficiência dos mercados estariam
incomodados com o barulho, para não falar da pulga que percorria insistemente
a parte posterior de suas respeitáveis orelhas. Suspeito que Lucas tenha
baixa sensibilidade nesta região do corpo humano. Mas ele não é apenas um
crente, é um sacerdote.
Escreveu
no Journal: “Sou cético a respeito do argumento que sustenta
haver risco de contaminação de todo o mercado de hipotecas pelos problemas
surgidos na faixa subprime. Tampouco acredito que a construção residencial
possa ser paralisada e que a economia vá deslizar para uma recessão. Cada
passo nessa cadeia de argumentação é questionável e nada foi quantificado. Se
aprendemos alguma coisa da experiência dos últimos 20 anos é que há muita
estabilidade embutida na economia real”.
As
recomendações e análises dos economistas (inclusive as minhas), mesmo quando
prestadas em boa fé, estão eivadas de valorações e pressupostos não
revelados, para não falar de ostentações de rigor e cientificidade
incompatíveis com a natureza do objeto investigado. Esse incidente, o
desacordo entre o método de investigação e a natureza do objeto investigado,
é quase sempre ignorado pelos praticantes da Ciência Triste. Isso não lança
necessariamente dúvida sobre a honestidade intelectual dos economistas, mas
os obriga a explicitar as “visões” (como dizia Schumpeter) que antecedem e
fundamentam suas análises. Essas cautelas tornam-se ainda mais imperiosas
quando as sabedorias dos interesses subjugam os interesses pelo conhecimento.
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FONTE: Luis Nassif Online.
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