FILME: NEBLINA E SOMBRAS
(WOODY ALLEN)
Este
é o filme em que Woody Allen não disfarça sua influência kafkiana. O filme
em que o expressionismo alemão é relembrado de forma genial em suas cores
preto e branco e no clima de terror, mistério e fascínio pela noite. Uma
questão a se observar também é que é um dos poucos filmes dele não
ambientados em Nova York mas na Europa do início do século XX, o que
reforça sua inspiração expresionista e kafkiana. Há um assassino nas ruas
daquela cidade, um psicopata que mata pessoas e os cidadãos desesperados
resolvem formar milícias dispostos a ajudar a polícia na captura do
facínora. O personagem Kleinman (Allen) é acordado no meio da noite por um
destes grupos que o querem incluir em seu "plano" para a captura
do assassino. Kleinman reluta em participar pois nem sabe dos assassinatos
e nem se sente com coragem suficiente para a empreitada, o personagem segue
a mesma linha de medíocre/trapalhão de Allen. A situação piora para ele
porque não consegue desvencilhar-se do grupo e tem que cumprir sua parte no
"plano", mesmo não sabendo que plano seja nem qual sua parte
nele. Aqui o personagem Kleinman assume o mesmo destino de Josef K.: ser
envolvido em uma série de circunstâncias e eventos dos quais não tem
controle e dos quais será vítima. Se Josef K. é prisioneiro de um processo
judicial sem ter a devida consciência de seus motivos, Kleinman (um nome
judeu-alemão que começa com K) é prisioneiro de um plano para caapturar o
assassino mas não tem consciência de sua estrutura. Uma estrutura da qual
ele faz parte mas não sabe em qual parte.
Este
filme é de 1992 mas baseado em um texto anterior: uma peça chamada
"Morte". Algumas diferenças marcam o texto da peça e do filme,
embora a história seja a mesma existem mudanças substanciais. Enquanto na
peça Kleinman morre vitimado pelo assassino, no filme ele realiza seu
grande sonho (que não aparece na peça) de tornar-se mágico de circo,
deixando de ser um funcionário burocrate e puxa-saco do chefe (mais
referências a Josef K.). Todos sabemos que Holywood gosta de finais felizes
e a mudança do final parece atender a esta exigência da indústria cultural,
ainda assim em ambos os finais o monstro escapa ileso. Aliás, sobre o
assassino é necessário observar que no filme ele é alto, forte e
assustador, um personagem só, mas na peça Allen dá a entender que não é um
assassino mas vários. Quando Kleinman encontra-o ele é parecido com o psicopata,
ao mesmo tempo em que outro personagem, que afirma também tê-lo visto
afirma ser parecido com ele. O psicopata é o alter-ego violento de cada um
dos personagens...
Nos
anos 20 do último século um grande medo rondava a Europa, este medo
manifestava-se em diversas formas e personagens: Mussolini e o fascismo,
Hitler e o nazismo, Stálin e o stalinismo, a crise econômica do sistema
capitalista, o desemprego em massa, o anti-semitismo crescente... Este
clima de apreensão e medo foi representado pelo filme "O vampiro de
Dusseldorf", um grande monstro que se esconde na escuridão esperando
para atacar suas vítimas. Kafka trabalhara este grande medo em "O
Processo", onde Josef K. (Kleinman?) é cercado pelo conjunto de
situações jurídicas sem ter a compreensão e a força suficiente para
enfrentá-las, e é vitimasdo por elas. Este clima de apreensão social
aumentaria com a grande crise de 1929 e o desemprego em massa. As massas
passaram a procurar um salvador e um bode expiatório para seus problemas, é
aí que o fascismo europeu aumentará suas forças através do culto ao chefe e
do ódio anti-semita. Tanto no filme como na peça Kleinman é confundido com
o assassino e perseguido pela multidão que, enfurecida, exige um sacrifício
para expulsar do corpo social o demônio do medo coletivo.
Este
é o filme em que Woody Allen recria magistralmente este clima de medo
coletivo. Casual ou de propósito? O crescimento, nos últimos anos do século
XX, de movimentos que pregam e praticam a barbárie, como os
fundamentalismos religiosos e os grupos neofascistas e neonazistas, sem
esquecer do terrorismo de Estado como os bombardeios norte-americanos no
Iraque e Yugoslávia, provocam o ressurgimento deste grande medo coletivo. O
filme de Allen talvez tenha sido feito como uma homenagem/celebração ao
cinema expressionista alemão retratando um clima do passado, porém é uma
obra que, coincidentemente, encontra-se com a atualidade. O grande medo
chegou, vindo do passado, cuidado. Ele cresce nas sombras e pode estar
escondido na neblina...
Aristóteles Lima Santana.
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Um comentário:
Cara... essa crítica está muito bem feita!!!
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