A LUCIDEZ DE SARAMAGO
O falecido escritor português José Saramago escreveu um
livro cujo título curioso enseja uma provocação: “Ensaio sobre a lucidez”. É o
segundo de uma trilogia que inclui “Ensaio sobre a cegueira” e “As
intermitências da morte”. Tais livros seguem um padrão comum: fatos
extraordinários acontecem em um determinado país e as consequências sociais são
vividas por personagens que se apoiam ou se digladiam em meio ao caos. No
primeiro uma “cegueira branca” espalha-se como epidemia, no terceiro a “morte”
resolve não agir, ou seja, não matar ninguém, em um determinado país. Dá para
perceber que Saramago era um legítimo herdeiro de Kafka na literatura e manteve
acesa a tocha da chamada “literatura do absurdo” até o fim.
Em “Ensaio sobre a lucidez” ele não coloca eventos mágicos
intervindo na realidade (o “fantástico” sempre se mistura com o “absurdo”), mas
se utiliza de uma possibilidade real e concreta: a de que a maioria dos
eleitores venha a votar nas alternativas nula ou branca. Neste livro a história
acontece no mesmo país da epidemia da “cegueira branca” e as autoridades tentam
enxergar uma ligação entre a brancura dos votos e a brancura da cegueira. O
resultado das eleições assusta a elite e o governo e este instaura o Estado de
sítio. A resposta é óbvia: “o povo não quer votar em nós? Então que venha a
ditadura”.
A intenção de Saramago é clara: discutir com o leitor o valor
do voto nos dias de hoje em que os candidatos, partidos, coligações, lideranças
políticas, etc, diferenciam-se muito pouco. No mundo inteiro as políticas que
beneficiam o capital financeiro se impõem sobre os Estados, cabendo apenas aos
governos cumprirem os “compromissos assumidos” com os órgãos internacionais,
sejam eles a OMC ou o FMI. Os tais “compromissos” nada mais são do que
garantias de ganho ao capital e certeza de prejuízos aos trabalhadores na
gestão econômica dos governos. Esquerda moderada e direita radical ou moderada
alternam-se no poder via eleições para garantir esta linha de atuação
político-econômica. O célebre Slavoj Zizek fez uma pergunta interessante: “com
esta esquerda que está ai, quem precisa da direita?”
No Brasil (possivelmente em vários outros países) o problema
inclui o debate sobre a corrupção. Vários eleitores acostumados com as
denúncias dos sucessivos escândalos com políticos corruptos em partidos de
direita, centro ou esquerda passam a considerar as coligações e partidos como
quadrilhas de mafiosos e não como agentes políticos idôneos.
É preciso salientar (o livro de Saramago aponta isso também)
que o voto nulo ou branco é uma forma de protesto, mas ele não oferece uma
alternativa de mudança. Não existe vazio de poder. Crises institucionais
provocadas por excesso de votos nulos ou brancos provocarão ou novas eleições ou
golpes militares. Cabe à esquerda que se
mantém coerente conquistar as massas e
propor reais alternativas de mudança social. E isso é possível sim. A história
não acabou, ainda estamos no jogo.
Devo registrar,
aliás, que meu voto nas eleições municipais de 2012 em Paulo Afonso será
“branco” para prefeito e vereador. Vários amigos meus são candidatos, mas estão
em coligações que não merecem meu apoio. Nenhum dos prefeituráveis representa
para mim uma real mudança nos rumos da administração pública. Não dá para
compactuar com isso. Eu não sei se vocês já perceberam mas eu, literalmente,
tenho um nome a zelar.
Aristóteles Lima Santana, 25/09/2012.
3 comentários:
É donde vem a questão: Se todos votarem nulo, quem definirá o preço da passagem de ônibus?
Se todos nós também tivéssemos esse zelo com nosso nomes, não votaríamos nos que aí estão para nada.
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